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vol 31 • 2021

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Autoritarismo, Fascismo e Racionalidade do Capital: a simbiose possível

Autoritarismo, Fascismo e Racionalidade do Capital: a simbiose possível

Jose Clovis de Azevedo [1]

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Esta edição traz ao debate um tema desafiador aos educadores e educadoras. Ou seja, como praticar uma educação para a formação de sujeitos críticos frente ao avanço do autoritarismo e do populismo, cujos elementos fundamentais aparecem tanto institucionalizados em governos, como também na produção e naturalização de uma cultura excludente e desumanizadora.

No plano mais evidente podem ser considerados os casos dos Estados Unidos, Brasil, Polônia e Hungria –e outros com claras tendências autoritárias–. Eles mostram uma realidade desconfortável para quem acredita nos valores que sustentam a democracia e as perspectivas civilizatórias, Pois esses governos têm fiéis seguidores em parcelas significativas da população, demarcando um campo ideológico e a abrangência de lideranças populistas de extrema direita. Pode-se constatar nestes casos e em outros, com diferentes níveis a conformação de um sólido campo de direita, de caráter fascista, com peculiaridades históricas em diferentes regiões do mundo, cujas lideranças expressam o aproveitamento do chorume gerado pela decomposição das piores substancias políticas e morais produzidas por desfalques civilizatórios em diferentes momentos históricos.

Frente ao avanço do populismo e do autoritarismo questiona-se, o que explicaria que os algozes da democracia, das políticas de proteção social, dos direitos trabalhistas, sejam seguidos cegamente e até fanaticamente por suas próprias vítimas? Ninguém poderia pensar que chegaríamos a um tempo em que um líder, como no caso do Brasil, por exemplo, que defende o armamento da população, que promove a destruição ambiental, que estimula a invasão das terras indígenas, que desconstitui instituições de Estado responsáveis por fiscalizar e defender os biomas teria eco e seria mitificado por parte significativa da sociedade.

Essas lideranças reúnem as características pessoais e políticas que enfeixam os traços mais eloquentes de desumanidade: agressivos, politicamente toscos, autoritários, agridem a ciência, a cultura, expressam total insensibilidade aos dramas humanos vividos pelos empobrecidos, pelos imigrantes, pelos portadores de deficiência, pela opressão de gênero e étnica. Suas políticas transformam os objetivos do Estado em seu contrário, legitimando a violência, a exclusão social, o desrespeito aos Direitos Humanos, promovendo a exploração predatória do meio ambiente e tentativa de desmoralização de educadores e cientistas. Aparentemente trata-se de uma irracionalidade, mas como se explicaria o apoio popular a tantos absurdos?

Como elemento de reflexão sobre essa questão pode-se resgatar o conceito de “servidão voluntária” de Ètienne de La Boétie (2006) [2]. Em sua obra do Século XVI, Discurso sobre a servidão voluntária, o filósofo procura identificar as causas da submissão de muitos aos interesses e à vontade de poucos. De onde vem o poder para uma liderança dominar um país inteiro? Isso só poderia acontecer em uma espécie de “servidão voluntária”, quando os próprios indivíduos se deixam dominar. Segundo La Boétie um povo se submete voluntariamente ao governo de um só homem: pelo hábito ou naturalização da servidão; pela religião e pela mística criada em torno da imagem do líder; e no envolvimento do dominado com a própria estrutura de dominação.

Certamente, existem elementos imponderáveis nas profundezas do “ser” indivíduo que o pré-dispõe a determinadas situações de condicionamentos e subordinações. Mas isto não se concretiza sem que condições históricas objetivas despertem essas sensibilidades.

Não podemos esquecer que o autoritarismo não é, necessariamente, um desvio de um individuo psicopata. Na sua essência as relações autoritárias acobertam privilégios que seriam insustentáveis em uma sociedade democrática e participativa. Na mesma direção o populismo alimenta-se da degradação social que conduz os marginalizados à crença de que o líder, salvador mitificado lhes trará uma vida melhor.

O autoritarismo populista sobrevive mesmo desafiando os postulados da chamada democracia liberal, pois ao mesmo tempo, viabiliza o caminho para as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital financeiro e da reprodução do capital em sua fase de acumulação flexível. As tropelias destes governos assumem caráter de excentricidade, simbologias que dialogam com traços de elementos culturais desumanizadores. Enquanto praticam a liturgia para a empatia popular e realizam todos os absurdos sob o ponto de vista ético, estão possibilitando um caminho livre para a racionalidade do capital predador. A dominação não é só na dimensão do místico, mas o místico esconde a materialidade dos interesses objetivos do mercado. Na Alemanha, a mística nazista não seria viável sem a adesão da Krupp, da Bayer e do empresariado em sua maioria. Aqui, no nosso tempo, por coincidência o”mercado” não tem nenhum constrangimento com chefes de Estados chulos e fascistas.

A própria racionalidade subjetiva do capital vai ao encontro da submissão mística das almas. Os valores da mercantilização atingem todas as dimensões da vida. A crença no indivíduo capaz de vencer por si só; o culto ao individualismo; à competição; ao empreendedorismo; ao empresarialmente de si mesmo; são elementos ideológicos constituídos pelo neoliberalismo que tem pontes com a mística fascista, pois negam a ética da solidariedade, do coletivo, da cooperação comunitária. São tempos difíceis porque há uma ideologia dominante, racional, produzida por uma realidade histórica que consegue se arranjar com uma irracionalidade alimentada e utilizada como forma de perpetuar a terrível desigualdade social.

É possível ver e ouvir o delírio de oprimidos em reverência ao opressor. O desafio de todos os democratas, dos que acreditam no ideário emancipador, nas possibilidades éticas e civilizatórias do processo político é construir uma agenda que dialogue com os”invisíveis”, com os discriminados de toda ordem e que os possibilite transformarem-se em sujeitos políticos, massa crítica, atores e autores de avanços civilizatórios.

Nestes Cem anos do nascimento de Paulo Freire é oportuno afirmar os princípios de uma Educação Libertadora, produtora de um conhecimento Emancipador, que mantenha viva a esperança na realização do “inédito viável”, de outro mundo possível.


[1] Professor, pesquisador, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, USP.

[2] Etienne de La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, páginas, T.C.C. Publicações Eletrônicas, 2006


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