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vol 3 • 2009

Haverá lugar para a Educação de Adultos no Paradigma do Ensino?

Haverá lugar para a Educação de Adultos no Paradigma do Ensino? [1] [2]

Ian Martin

…é necessário um empenho deliberado para restabelecer o estímulo ético e democrático [da educação de adultos]. (Michael Collins)

1. Introdução: tentar permanecer radical sem se tornar demasiado nostálgico

Há dois dias, a 30 de Junho, deixei de ser oficialmente um assalariado na Universidade de Edinburgh. Há uma ligeira e estranha consequência disto, é que agora será da minha responsabilidade o que direi em ocasiões como esta. É uma sensação estranha: encontras-te, por fim, fora da escravidão do trabalho pago, mas ainda assim acordas todos os dias para te questionares sobre o que serás quando cresceres. De facto, estou-me a reformar prematuramente, em parte, para entrar na Escola de Arte de Edinburgh, com o intuito de aprender a pintar correctamente – ou pelo menos o melhor que conseguir. E durante o curso, também irei aprender o que é ser-se um aluno para a vida toda. Eu tive a oportunidade, durante as aulas, de ter sido um excelente aluno, a estudar a tempo inteiro ou a tempo parcial para ganhar dinheiro, ou ser um aluno para a vida toda – alguém, que aparenta ser suficientemente adulto, normal e rico para fazer o que quer sem se preocupar com exames e habilitações e coisas do género. Isto é algo para aguardar com ansiedade! Quem disse que a tradição liberal estava morta? Não para aqueles que aparentemente podem pagar!

Numa conversa recente com Jean Barr, também reformada recentemente da Universidade de Glasgow (alguns de vós irão conhecer o seu trabalho na educação de adultos, enriquecido com uma inclinação distintamente escocesa e feminista), ela estava curiosa para saber o que eu tinha decidido falar nesta particular e invulgar ocasião. Respondi-lhe honestamente, mas de um modo um pouco patético: “Não sei” – Simplesmente sinto, que já não tenho nada de novo para dizer.” “Och!” respondeu ela, “Diz apenas aquilo que sempre dizes!”

Portanto, aqui vai! Alguns de vós poderão ter um sentimento de déjà vu acerca de algumas coisas.

Terei de começar por citar o filósofo escocês Alasdair Mclntyre (1987), que cita no seu ensaio “A ideia de um povo instruído: um sujeito só poderá pensar por si mesmo se um outro não o fizer.” Muitos dos meus pensamentos e textos têm sido feitos na presença de outros e nestes últimos tempos terei de prestar uma particular homenagem aos meus colegas e camaradas, Jim Crowther e Mae Shaw, pela sua contribuição.

Para iniciar a Introdução, aponto os três Ds, que eu penso revelarem algo acerca da situação da educação de adultos, de hoje em dia: diferença, diáspora e deficiência. O primeiro D diz respeito à necessidade de entrar no aviso do costume acerca da diferença: há diferentes tipos de educação de adultos, com diferentes histórias, argumentos habituais e obrigações. Nós vimos de diferentes referenciais ideológicos e pedagógicos estáveis. Estas diferenças poderão interrogar-se e, ocasionalmente, esclarecerem-se uma à outra – mas teremos, frequentemente, de terminar a conversa discordando. Espero que muitos de vós acabem por se sentir, desta maneira, em relação ao que tenho para dizer hoje, mas talvez poderemos criar uma pequena interrogação e esclarecimento durante o percurso.

O segundo D refere-se à diáspora da educação de adultos: as nossas migrações – uma pequena pausa para perguntar se estaremos a ser empurrados ou puxados – para outros campos da teoria, diplomacia e prática educacional como a extensão e o ensino superior, práticas gerais do ensino e da aprendizagem, que é agora chamado de “desenvolvimento educacional”, garantia de qualidade, avaliação do desempenho, gestão académica, desenvolvimento profissional, desenvolvimento dos recursos humanos, orientação e desenvolvimento pessoal, literacia e numeracia, etc., etc. É claro que isto poderá ser em parte o movimento, nas palavras comuns de Usher, Bryant e Johnston (1997), a “ligação do campo modernista da educação de adultos” para “o pântano pós-modernista aberto da aprendizagem ao longo da vida”. Seja como for, é certamente importante reconhecer que o que John Field (2000) chama de “explosão silenciosa” na aprendizagem, faz parte do contexto da mudança sócio-cultural (e também política e económica) que estamos a viver. Por exemplo, eu acho o fenómeno dos clubes de leitura, particularmente interessante neste aspecto; e na Austrália, parece que é dada mais atenção ao que os Homens transformam em abrigo. (Brown 2008)

O terceiro D é talvez mais controverso: deficiência. Parece que nos temos vindo a habituar, em conferências como esta, a perguntas como: “O que é que aconteceu a…?” Parece que falta algo. Como podemos chamar aquilo que foi perdido? Será uma ética, uma visão, um objectivo, uma ontologia, uma teleologia? Terá a educação de adultos perdido a sua alma? Não sei qual a palavra certa, mas lembrei-me da palavra, ligeiramente arcaica “íman”, que Juliet Merrifield usou para expressar precisamente este ponto num artigo, apresentado na conferência de SCUTREA em 1997: “À procura outra vez do nosso íman: democracia, sociedade civil e educação de adultos.” Acho que nunca o reencontrámos – e esta deficiência poderá ser parte do resultado da nossa experiência na diferença e na diáspora. Porém, na minha mente isto deixa-nos um vazio crítico. Falando grosseiramente, isto é sobre o que fazemos (ou não fazemos) com o que sabemos.

Estive a examinar recentemente uma amostra de trabalhos de pós-graduação da Universidade de Glasgow – incidentalmente, um departamento que insiste em ser chamado de Departamento de Educação Contínua de Adultos. Um trabalho – apresentado para um curso chamado, outra vez de uma forma determinadamente antiquada, “Princípios e Teorias da Educação Contínua de Adultos” – terminava com uma citação do soneto “Huntsman, what quarry?” da poetisa americana, Edna St Vicent Millay. Alguns de vós poderão já ter lido estas linhas anteriormente:

Sobre estes tempos gloriosos, neste período sombrio,
Cai do céu uma chuva meteórica
De factos… que permanecem incontestados, separados.
É necessária sabedoria suficiente para libertar-nos da nossa maldade,
É um ciclo diário; mas não existe lágrima alguma
Para nos transformar…

Para mim, o mais importante na educação de adultos, foi sempre dizê-lo como parte de algo maior e mais largamente repartido, ao que Juliet Merrifield chama de “trabalho público” da política. Olhar para a educação de adultos nesta perspectiva, como “parte do caminho em direcção à sociedade democrática” (Merrifield 1997: 321), é abraçá-lo como uma vocação – e necessariamente, penso eu, uma vocação radical e discordante (cf Collins 1991) – diferente de um simples campo de prática, identificação profissional ou especialização académica. Compreendido deste modo, a educação de adultos faz parte de um trabalho que escolhemos para nos ocupar, o contrário de um simples trabalho que somos pagos para exercer.

2. A relação entre política e a educação de adultos

Nós não precisaríamos de Paulo Freire para nos dizer que a educação é política. No sentido em que não há nada de novo ou notável acerca disto. É algo que todos nós sabemos – quando optamos por pensar nisto. De qualquer modo, para Freire, a natureza política da educação será sempre explícita e explicitamente reconhecida. Este é o seu ponto de partida na Pedagogy of the Oppressed. Para ele a escolha é rigorosa (demasiado rigorosa, sem dúvida, para os pós-modernistas entre nós): a educação é tanto para a “libertação” ou “domesticação” (Freire 1972). De facto, continua para afirmar que não poderá haver uma posição neutra nesta matéria: para se sentar na grade é como tomar a posição de status quo. Há uma questão que se levanta deste tipo de argumento, é se o ensino poderá ser concebido como a política, da mesma maneira como a educação. Poderá a “libertação” ser “facilitada”? De qualquer maneira, haverá certamente algo de absurdo acerca da noção de “andragogy of the opressed” auto-dirigida?

Talvez o facto seja que não poderá haver finalidades políticas onde não existe intervenção pedagógica. De qualquer forma, hoje em dia, parece-me a mim que um dos problemas com a educação de adultos e a aprendizagem ao longo da vida é que tendemos a falar sobre eles como se não fossem políticos. Este resultado tem sido denominado (atenção!) “despolítico-ideologização” (Steiner-Khamsi 2002) – que, como é lógico, é precisamente o contrário.

Quando questionado sobre as minhas políticas como professor, decidi descrever-me como sendo um Presbiteriano Marxista, ocasionalmente com tendências Fabianas: Presbiterano, no sentido de acreditar fundamentalmente na natureza democrática do debate sobre a importância de ideias; Marxista, no sentido de que, agora mais do que nunca, não podemos agir sem esta análise e crítica da política económica que governa as nossas vidas; Fabiano, no sentido de algo que precisamos lembrar nestes tempos neo-liberais é que se o estado for devidamente gerido, pode passar de predador a burro de carga.

Posso dizer que sempre fui um socialista e, consequentemente, um internacionalista. E, ao olhar para trás, apercebo-me (talvez como outras pessoas aqui?) que esta é uma das razões porque escolhi trabalhar na educação de adultos. Nos anos 60, acreditava que poderíamos criar um mundo melhor e que a educação – e, em especial, um particular tipo de educação de adultos – teria um papel importante neste processo. E ainda acredito. Não me refiro ao “socialismo” de um modo complicado ou num sentido dogmático, mas sim de um modo muito simples e num sentido linear. Isto expressa três convicções centrais:

Primeiro, que todos os seres humanos, sejam quais forem as suas diferenças, partilham o que Raymond Williams chama de “qualidade existencial do ser”; Segundo, que, como seres humanos, somos animais sociais e políticos e a nossa individualidade e humanidade atinge as suas mais altas manifestações (ou como Freire disse, a nossa “vocação ontológica”) em relações, no empenho colectivo e preocupando-nos uns com os outros; e por isso, terceiro, que a sociedade humana, incluindo os seus recursos materiais e culturais, deveria ser organizada o mais que possível, para honrar esta partilha existencial do ser e, ao fazer-se isso, aumentar a nossa capacidade para sermos humanos e para vivermos de um modo mais significativo, realizado e útil. Isto é essencialmente uma posição ética que tem consequências políticas. Esta parece ser a ordem mais apropriada das coisas.

E quando tudo parece estar perdido ou ser irracional, temos de usar a nossa função como seres humanos para parar e gritar: “Não!”, “Basta!”, “É possível haver outro mundo!” – assim como, hoje em dia, as pessoas comuns gritam, em todo o lado. EP Thomson avaliou isto bem no seu ensaio O socialismo e os intelectuais (“Socialism and the intellectuals”):

Se o Homem [assim]… escolher sabiamente, irá abrir novas perspectivas de realização comunitária, dirigindo organizações sociais que irão promover a influência da “virtude” e restringir a destruição que o “vício” pode causar. E se o peso das evidências parecer negar a esperança, aí poderemos ainda protestar, recusando sermos vítimas das circunstâncias ou de nós próprios. (Kenny 1999: 323)

Há, como é óbvio, um papel importante para a educação em tudo isto – especialmente a educação de adultos de função social e de compromisso político, como a nossa história tem mostrado e como alguns números continuam a insistir (por exemplo, Newman 2006, Thomson 2007 e Steele 2007).

3. Tendências, percursos e armadilhas

Há alguns anos atrás, organizámos uma conferência em Edinburgh chamada “Metamorfose: Educação de Adultos na Escócia de Hoje (Metamorphosis: Adult Education in Scotland today)”. Terminei a minha introdução do programa com esta citação da história de Franz Kafka sobre um jovem homem que se transforma num grotesco insecto:

Gregor estremeceu quando ouviu a sua própria voz…; era inconfundivelmente a sua própria voz como antigamente, mas misturada, como se estivesse por baixo, comum irreprimível, doloroso guincho; e isto só deixou o som das palavras claro por um momento, antes de distorcê-las de tal maneira que não se poderia dizer se se as tinha ouvido correctamente. (Kafka 2000: 78)

A questão é: será que alguma vez sentimos o mesmo que Gregor?

Na procura do projecto radical na educação de adultos de hoje em dia, confrontamo-nos com uma variedade de dificuldades, obstáculos e contradições. Estes são inerentes no que é cada vez mais esperado – e no contexto da globalização, de uma maneira penetrante – de nós como professores de adultos. O perigo é que ao fazerem o seu trabalho em nós, disciplinamo-nos dentro das expressões alheias e com um discurso alienante. Tornamo-nos, em pouco tempo, os agentes da nossa própria vigilância e auto-censura. Noutro lugar (Martin, 2000, 2006) identifiquei dez tendências particulares que des-radicalizam o nosso trabalho e o retiram de esforços populares para a igualdade e a justiça. Copio-os em baixo e adiciono um breve comentário:

1. Nós estamos cada vez mais expostos – e esperam que nos conformemos –à hegemonia do raciocínio técnico e às formas limitadamente concebidas economicistas de vocação e competência.

Estes são, é claro, os efeitos curriculares dos processos sistémicos amplos. Por exemplo, apesar de achar uma prova interessante das concepções ideologicamente distintas e competitivas da sociedade de aprendizagem em diferentes partes do mundo, o recente estudo internacional de Julia Preece revela previsivelmente, uma tendência dominantemente economicista e determinista para a aprendizagem ao longo da vida (Preece 2006: 318) porque faz parte da globalização capitalista. Uma vez, escrevi um pequeno artigo intitulado “O que é a aprendizagem ao longo da vida para: o ganho, a abertura e a ansiedade?” Não há muita ansiedade.

2. Somos forçados, numa grande ou pouca extensão, a actuar num mercado educativo em que o conhecimento se transforma num bem de consumo e numa “fábrica de certificações”, e as instituições e agências educativas vivem em relações competitivas, em vez de existir cooperação e colaboração entre elas.

Por dentro, podemo-nos estar a habituar ao “capitalismo académico”; alguns de nós puderam até mesmo estar a aprender a gostar disto. Por fora, de qualquer modo, tudo poderá parecer um pouco absurdo. Tal é o contra-senso do Programa de avaliação de pesquisa (“current research assessment exercise”) nas universidades britânicas, que um recente cálculo foi feito no jornal Observer concluindo que a “universidade de Cambridge teria de despedir Ludwig Wittgenstein. Ele poderá ter sido um génio, mas levou décadas para produzir um livro.” (Cohen 2008: 30). Algo tem de estar errado aqui. Na realidade, o problema é que se escreve e se publica demasiado – muitas vezes de um modo apressado, inacabado e medíocre.

3. Este mercado educativo – e, em particular, os seus trabalhadores – são expostos à nova e rigorosa administração, forçando uma visão contabilística do mundo em que nós sabemos o custo de tudo e o valor de nada.

Na organização desta conferência, os meus colegas tiveram de lidar com uma empresa independente, estabelecida por esta universidade, em que é necessário fazer um lucro dos seus serviços internos com os departamentos desta universidade. Por isso, acreditando ou não, 1 projector de power-point para uma sala custa 187 euros (150 libras) por dia – sem mencionar os 9.00 euros (7.00 libras) da taxa cobrada pelo vinho consumido no jantar da conferência! Esta parece ser uma maneira estranha para o ensino público funcionar.

4. A criação do autodidacta como consumidor ou cliente coloca ênfase na “facilitação” não directa da aprendizagem individual e individualizada – ao contrário da intervenção explícita da educação (e a nossa própria função como professores).

Isto, é claro, está relacionado directamente com o tema principal da conferência. Quando estava a pensar nesta apresentação, Linda Cooper, da Universidade de Cape Town, sugeriu que pudéssemos considerar esta questão: “Como professores, o que deveríamos ensinar, se iremos fazer diferença na direcção em que a nossa sociedade globalizada está a andar?”. Talvez precisemos de alguém com mais experiência a nível político – e incidentalmente, em trabalhadores “à moda antiga” e no sindicato de educação, ao contrário da aprendizagem no local de trabalho – para fazer tal pergunta.

5. Existe uma tendência crescente e cativante para celebrar a autenticidade da experiência pessoal, em vez de testar a sua importância social e educacional.

Parece-me que há um recuo no personalismo que - independentemente dos seus prós e contras em relação a outros aspectos - é muito mau para a nossa política colectiva. Não é que o pessoal não nos interesse, mas precisa ser sempre conectado e contextualizado. Esta é necessariamente uma tarefa educacional. O actual pós-modernista Robin Usher, disse-me uma vez: “Vejo que você não é um determinista estrutural, mas você é um estruturalista determinado”. Não tenho a certeza, se foi um elogio, mas eu aceitei-o como o tal.

6. A “mudança pós-modernista” na actual teoria da educação de adultos, a maioria europeia e norte-americana, parece afastar-se demasiado das raízes históricas da sua finalidade social, do envolvimento político e da visão de um mundo melhor.

Parece que perdemos a noção de história e, da nossa própria historicidade como educadores de adultos. Gostaria de referir a insistência de Keith Jackson's (1980) de que deveríamos tentar ver a educação de adultos integrada na história. Será que simplesmente desistimos pensar desta forma? No entanto sou frequentemente relembrado das linhas do poema de W.B. Yeats' 'The Second Coming'(“Segundo Advento”):

Os melhores faltam toda a convicção, enquanto os piores
Estão cheios de intensidade apaixonada.

7. As afirmações retóricas sobre a importância da «cidadania activa» e do «capital social» na ‘sociedade da aprendizagem’ terão em pouca ou nenhuma consideração as realidades materiais do contexto, das contingências e das divergências do poder.

Pensando, em particular, sobre as noções modernas do capital social e todos os programas e projectos de investigação que tem gerado nos últimos anos, traz à mente o relatório de Ruth Levinas (1998) sobre a competição dos discursos políticos de redistribuição (RED): Old Labour (Trabalho Velho), Integração social (SID): New Labour (Trabalho Novo) e subclasse moral (MUD): New Right (Novo Direito). O objectivo, para as nossas finalidades, é que certos tipos de teorias se tornem ideologicamente aceitáveis e politicamente apropriadas em determinados períodos. Parece-me que a investigação no domínio da educação é particularmente susceptível a este tipo de canonização ideológica.

8. Apesar de seu potencial inquestionável, o entusiasmo no domínio das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) como meio de ensino na educação/ aprendizagem adulta levanta dúvidas cruciais, se as questões sobre a autoridade do texto, a privatização do conhecimento, a gestão da aprendizagem e da autonomia do aluno, forem amplamente negligenciadas.

Encontro-me – com certa relutância - impressionado com o potencial dos novos meios de comunicação para estimular novas formas de aprendizagem e novos tipos de alunos. Por outro lado, parece que existe demasiado entusiasmo acrítico e não existir a preocupação suficiente para interrogar as novas formas de fazer as coisas com as maneiras clássicas de pensar nelas. Neste aspecto, às vezes lembro-me do título do livro de Harold Entwistle” A Educação Conservadora para os Políticos Radicais” de Antonio Gramsci. Parece que o cepticismo já não está na moda. Para mim, a questão não consiste em saber se o copo está meio cheio ou meio vazio, mas com o que é que ele está meio cheio.

9. Na crescente profissionalização – e aquilo que eu chamaria "respeitável-ização" (“respectable-isation”) - da educação de adultos há cada vez mais provas da existência de uma cultura de hierarquia e deferência, e uma preocupação débil com o estado e ancianidade.

O meu tipo de educação de adultos é essencialmente igualitário e solidário, por isso é importante reconhecer como um tipo particular de dignidade pode enfraquecer a colegialidade. Certamente, é o que vai acontecer se sucumbir-mos ao "individualismo possessivo" que está no cerne da ética do trabalho dominante, no seio da universidade neo-liberal. A inexistência de solidariedade é possível quando a pessoa que está no topo é muito bem paga e a pessoa do nível inferior recebe trocos – no entanto somos gentis uns para os outros.

10. A prática e apolítica educacional, auxiliadas e instigadas através da investigação, estão novamente a transformar a estrutura em patologia ao atribuir as contradições do contexto para as supostas características dos indivíduos.

Só um exemplo: a questão estatal do desemprego e o direito ao trabalho, foram transformados em problemas pessoais de emprego e de adequação a fins, e a educação / formação participam nisso activamente - o que o meu colega português Lucinio Lima chama a «pedagogização de problemas sociais e económicos». Nós não devemos esquecer como A.H. Halsey salutou advertências para evitar o tratamento da «educação como um balde do lixo inútil da política social - um tombo para lidar com os problemas sociais em que as soluções são incertas ou, quando há uma relutância em lidar com estas a sério» (1972 Halsey : 8).

Kathryn Ecclestone detecta o aparecimento de uma “cultura terapêutica” na investigação e na política educacional contemporânea. Trata-se essencialmente em ajudar indivíduos, especialmente pessoas marginalizadas, aceitar e sobreviver em vez de modificar as estruturas que lhes oprimem. Como resultado temos duas formas de desmoralização. Em primeiro lugar, existe uma “desmoralização”, no sentido genérico habitual, um sentimento de perda de motivação e auto-crença. Em segundo lugar, e mais insidioso, existe a “des-moralização” (com um hífen), que se refere a algo mais profundo, um processo existente de “extracção da moralidade das nossas vidas, levando à perda de vontade de atingir objectivos... à perda da crença naquilo que ainda poderá ser possível” (Ecclestone, 2004: 124). É um conjunto de sentidos profundamente pessimistas, que eventualmente conduz à negação da capacidade moral, porque foca-se em estado psicológico e emocional do indivíduo e não de uma forma mais ampla no contexto estrutural. O resultado é uma diminuição visível da autonomia e da actividade, tanto nos alunos como em nós próprios como professores. Ecclestone defende que a “performatividade” gerida, entendida como regulamentação burocrática da vida profissional em torno de metas impostas, resultados e sanções, desmoraliza os professores em ambos os sentidos.

Resumindo, na língua da tradição radical na educação de adultos britânica, estamos a correr o risco de nos tornar em apoiantes de “conhecimentos meramente úteis” (i.e., os conhecimentos que são construídos de modo a tornar as pessoas em trabalhadores produtivos, rentáveis e passivos) que se distinguem dos agentes activos de “conhecimento realmente útil” (ou seja, o conhecimento que é calculado para permitir que as pessoas se tornam críticos, autónomos e - se é necessário - cidadãos dissidentes) (veja Johnson, 1979).

Depois de ter dito isso, quero argumentar que aqueles que estão interessados nestes assuntos precisam, resumidamente, de se recomprometer com a cultivação daquilo que E.P. Thompson chama a “espaços proto-democráticos” no nosso trabalho, e com o incentivo, quando exigido, da dissidência democrática. Isto significa mudar da linguagem crítica para a linguagem da possibilidade, encontrando novas formas de reconstrução da educação para adultos com a política contemporânea de cidadania, justiça e democracia (cf. Fraser 2005). É para esta tarefa de reconstrução que eu me dirijo agora.

Cultivando a disposição democrática (Martin e Shaw, 2005)

T.H. Marshall (1950: 28) descreveu a cidadania como um “estatuto comum concedido a todos aqueles que são membros de pleno direito da comunidade”. A noção de membro de uma comunidade entende-se como ser parte de algo maior: a sociedade na sua totalidade. Como é que esta totalidade e a arte de tradução entre as suas partes constitutivas, pode ser concebida?

E como vamos enquadrar este processo como uma unidade curricular e transmiti-lo como pedagogia?

E como vamos enquadrar este processo como uma unidade curricular e transmiti-lo como pedagogia?

A cidadania neste sentido holístico de associação e filiação é catalisada por três tipos de imaginação. A imaginação é entendida como sendo a capacidade e vontade de localizar a experiência pessoal em contextos e relações externos mais amplos, e de projecta-los no mais variado leque de conexões e conotações. Neste aspecto, é importante destacar que a ideia da imaginação deve ser interpretada em ambos os termos cognitivos e afectivos; porque é tanto uma capacidade emocional como é uma capacidade intelectual. Como tal, permite que o indivíduo assuma o papel de outro e aja com empatia - em vez da mera compaixão. Por fim, essa empatia é uma prática política, que prevê nas relações com os outros, as possibilidades para um novo e melhor mundo. A disposição democrática que caracteriza o cidadão criativo, entendida desta forma (cf. Nussbaum, 1997), é constituída por três tipos diferentes de capacidade imaginativa: sociológica, narrativa e reflexiva.

Segundo a exposição clássica de C Wright Mills' (1970), a imaginação sociológica é a capacidade de ver-se na sociedade. Mills distingue os “Problemas pessoais de determinado círculo” e as “Questões de estrutura pública”. Ele sugere que a imaginação sociológica nos permite compreender as diferenças e as relações entre as nossas experiências e relacionamentos pessoais, por um lado, e o contexto e a estrutura mais amplas das relações sociais e institucionais, do outro. Esta combinação particular de discriminação, empatia e contextualização é uma condição fundamental para os cidadãos, como seres únicos e socialmente construídos, para apreender e forjar um senso comum de uma cidadania comum dentro de políticas cada vez mais diversificadas e pluralistas.

Mills insiste, que isto também implica a consciência histórica, ou a imaginação narrativa: a capacidade de localizar a sua própria biografia dentro de história(s) da própria História. Num sentido importante, a biografia é sempre e necessariamente histórica, porque a experiência individual é produto das estruturas mais amplas de continuidade e de mudança ao longo do tempo - como é a própria noção da identidade. As formas democráticas modernas, no entanto diversas, são o resultado de inúmeros resultados cumulativos das lutas pela liberdade e justiça ao longo dos séculos. Evidentemente, o facto de que essas lutas (e os compromissos que estas muitas vezes implicam) continuam nos dias de hoje, é necessariamente, parte integrante da dialéctica da vida democrática. Como tal, a reconstrução da democracia é sempre um assunto inacabado da cidadania.

Isto exige dos cidadãos um terceiro tipo de imaginação: a imaginação reflexiva, ou capacidade de se ver, ver a sua identidade e tradições, como sendo simultaneamente parte de ambos, o problema e a possibilidade da vida democrática (cf. Johnston, 1999; Coare e Johnston 2003). Num mundo cada vez mais globalizado, as sociedades humanas são cada vez mais e mais cosmopolitas e pluralistas. Neste tipo de mundo, um dos testes de democracia inclusiva é como é que uma grande diversidade cultural que pode ser acomodada dentro de uma concepção solidária de uma cidadania comum. De uma forma importante, esta questão é apenas provisoriamente respondida, e a vida democrática do século XXI está agora mais precária e instável do que nunca. No entanto, tentar ser democrático significa que cada um traz as suas próprias soluções especiais de inscrição e antagonismo ao público inacabado da cidadania empresarial. Isso requer uma consciência particularmente moderna (alguns dirão, pós-moderna) das nossas próprias coerências e contradições, da ambivalência que constitui o nosso ser social.

A questão é que compreender e representar a cidadania desta forma, requer de nós a habilidade de interpretar estes tipos de imaginação constituintes da cidadania. Apenas então poderemos estar na expectativa de vislumbrar o que representam as suas sínteses na disposição democrática, e começar a aplicá-las no mundo em que vivemos.

Em termos educacionais, esta maneira de pensar relativamente à cidadania e à democracia implica um modelo curricular quadri-dimensional. Em primeiro, é necessário considerar a pedagogia - e, em particular, o balanço entre ensinar e aprender. No meu ponto de vista, na era da aprendizagem ao longo da vida, não é dada a importância necessária ao educador, ou seja, ao papel do ensino no estimulo da aprendizagem. Em segundo, repetindo o trabalho abrangente da imaginação sociológica, existe a questão do foco ou escala - e, em especial, como as micro/pequenas-escalas se relacionam com as macro/grandes-escalas. A este respeito, deve-se ter em conta que nada existe num vazio, fora de contexto. Em terceiro, o contexto em si é activamente construído pela intervenção humana. De facto, o contexto de uma cidadania democrática de hoje em dia é frequentemente entendido como a tensão entre a hierarquia descendente, imperativos políticos impostos, e a hierarquia ascendente, aspirações políticas populares. Uma simples distinção entre o Estado (mau) e a sociedade civil (boa) pode colocar-se no caminho desta percepção fundamental. Neste sentido, teremos de ser profundamente cépticos em relação à tendência corrente de celebrar as culturas políticas da sociedade civil à conta da tarefa de transformar a cultura política do estado. Conforme Kathleen Lynch (2006: 4) insiste, “o estado é um agente ‘ineliminável’ em questões de justiça”. O imperativo progressivo deve consistir em recuperar o estado, não em abandoná-lo. Finalmente, a noção de cidadão como sujeito incorpora o clássico dualismo sociológico da actividade e estrutura. É óbvio que para serem considerados activos, os cidadãos terão de agir, reconhecendo (e compreendendo) no entanto que a acção humana nunca é “livre” em qualquer sentido simplificado; esta está sempre inserida numa estrutura pré-existente de restrição e determinação parcial. Poderá afirmar-se de facto, que a primeira lição de liberdade consiste na compreensão da realidade da não-liberdade. Todos os cidadãos, independentemente do seu estatuto ou condição, que procurem seguir as possibilidades de uma vida democrática partilhada, precisam de aprender esta lição – uma lição que desde sempre esteve no coração do projecto radical na educação de adultos.

5. Adultos discordantes: aprendizagem para cidadãos diferentes

Este é o título de uma conferência que organizámos em Edinburgh há uns anos. Um colega irlandês sugeriu, subsequentemente, que a noção daquilo a que ela chamava de ‘arseyness’ expressava melhor o que procurávamos do que simplesmente akwardness. Contudo, a questão é a mesma: cultivar a disposição democrática poderá significar cuidar da capacidade para a oposição democrática e discordância. Raymond Williams (1961) explicou bem a natureza dialéctica deste processo quando identificou o conflito básico entre os interesses democráticos, instrumentais e elitistas, e as aspirações na política e prática educacional. Esta parece ainda ser uma forma útil de pensar, impendente das mudanças terminológicas terem sido verificadas. Neste aspecto, a pergunta-chave é sempre, como Stuart Hall (1996) a coloca: ‘Estaremos a pensar dialecticamente o suficiente?’.

Nos últimos anos, em termos da educação de adultos para a democracia, parece que temos estado a recuar em vez de avançar. Por exemplo, o Alexander Report de 1975 sobre a educação adulta na Escócia contém a seguinte passagem – Algo que dificilmente conseguiria imaginar ler nos lustrosos e vazios documentos políticos de hoje em dia:

A sociedade está agora mais incerta sobre os valores que deveria defender e tolera de tudo um pouco. A liberdade individual de questionar o valor das práticas e instituições estabelecidas e de propor nova formas faz parte da nossa herança democrática. Para manter esta liberdade, os recursos não deveriam estar somente ao alcance daqueles que se conformam, mas deveriam ser disponibilizados para todos com objectivos explicitamente educacionais. Os motivos das pessoas que educam não são necessariamente os mesmos a quem os recursos são dados. (Departamento Escocês de Educação, 1975:25)

Foi a tentativa de reavivar esta forma de pensar sobre o nosso trabalho, que nos levou, nos finais de 2006, a circundar uma 'Carta aberta: O que é que aconteceu à aprendizagem para a democracia?'. Esta dita o seguinte:

Vemos o nosso trabalho de educação baseada na comunidade como parte de um processo democrático maior. Isto é para possibilitar que as pessoas possam exigir justiça social e igualdade para eles próprios e outros. Há agora uma oportunidade histórica para renovar a democracia na Escócia, e mesmo assim sentimos um grande sentimento de desilusão em relação à forma em que o nosso trabalho e a vida das pessoas nas comunidades estão a ser geridos, regulados e controlados.

A aprendizagem da comunidade está a ser relacionada com a política de estado, em vez da política ser informada pela aprendizagem democrática. Apesar da prática, existe um reducionismo sistemático e debilitante do trabalho na agenda política: a aprendizagem para a vida está bastante reduzida em termos instrumentais e económicos, aprender para sobreviver, em vez de aprender para a vida; o desenvolvimento da comunidade está bastante reduzido para entregar a comunidade à política através de formas pseudo-democráticas de participação e sociedade; o trabalho com os jovens está bastante reduzido para a vigilância e preparação para o emprego. Não existe outro tipo de visão da conduta de gestão da Escócia nesta redução sistemática de carácter democrático.

Esta não é a forma de activar os cidadãos para uma renovação democrática ou entusiasmá-los sobre as possibilidades da vida democrática. Ademais, existe um verdadeiro perigo de desenvolvimento de um novo tipo de défice democrático. A verdadeira ameaça à nova democracia da Escócia não provém da apatia, mas sim do cinismo.

O que é necessário, em primeiro lugar, é um dialogo democrático e imaginativo muito mais aberto, e um debate sobre em que tipo de sociedade queremos viver, e como a construir hoje na Escócia. A educação e a aprendizagem nas comunidades podem contribuir para tornar esta visão real, e são um recurso rico para resolver os problemas da sociedade. As pessoas vulgares precisam da oportunidade para se exprimirem, serem ouvidos e responder ao estado. Este é um processo essencialmente democrático. Não pode ser simplesmente medido e gerido; tem que ser tratado e cultivado nas comunidades. Requer crença e confiança nas pessoas, e uma valorização do diálogo e debate democrático genuíno.

Em resumo, isto parece sensibilizar (ou será que tocou num ponto fraco?) muitos trabalhadores ao longo da Escócia – assim como mais além, como indicam as respostas do Sul de África e da Nova Zelândia. Isto culminou numa conferência no novo Parlamento Escocês e na formação de vários grupos trabalhadores para levarem a cabo os assuntos. Um resultado-chave, concebido nos termos do que Chomsky uma vez chamou de “ameaça de um bom exemplo”, é um diagrama laminado, publicado no início deste ano, que contém Dez Pontos (afirmações de princípio) e Dez Propostas (afirmações para acção) sobre a Aprendizagem para a Democracia. Este diagrama é feito para ser apresentado publicamente e discutido o mais amplamente possível. O que temos vindo a tentar fazer, nos termos de Juliet Merrifield, é reencontrar o nosso íman ao reafirmar o nosso papel educacional no “serviço público” da política… [como] … parte do caminho em direcção à sociedade democrática”. Isto é como o diagrama se parece:

Aprender para a Democracia

Dez pontos sobre a Democracia

1. Liberdade

O desenvolvimento humano é atingido através da liberdade em agir individualmente e em colectivo, no entanto condicionado pela devida consideração pelos outros.

2. Igualdade

Todas as pessoas são de igual valor moral e são obrigadas a ter em conta a igualdade dos outros.

3. Justiça

Justiça e democracia são conceitos interdependentes. Uma sociedade injusta não é uma sociedade democrática, e uma sociedade não-democrática dá origem à injustiça.

4. Solidariedade

Finalidades e valores partilhados surgem da busca dos objectivos comuns e modos de vida baseados no apoio mútuo.

5. Diversidade

O diálogo entre culturas e identidades diferentes pode enriquecer a sociedade e ajudar na construção de uma cultura comum.

6. Responsabilidade

O estado é responsável perante os seus cidadãos na providência de uma estrutura política de habilitação, na qual são feitos e contestados os juízos sobre o bem comum. Aqueles que detêm o poder têm o dever de dar satisfações ao povo.

7. Diálogo

Uma democracia requer diálogo e possibilidade de discordância. Significa aprender a discutir, articular opiniões, deliberar e chegar a decisões colectivas no que diz respeito ao que constitui a boa sociedade.

8. Responsabilidade

Consistência e coerência entre o comportamento público e privado são essenciais para a qualidade de uma vida democrática.

9. Participação

A democracia é algo a ser negociado começando pela camada de baixo, em vez de manipulada por cima. Os cidadãos requerem a oportunidade de responder ao estado.

10. Sustentabilidade

Um compromisso com o ambiente e com as gerações futuras requer uma determinada oposição às forças do desperdício e destruidoras.

Dez propostas - aprender para a democracia representa:

1. Apoiar

Os profissionais da educação não são apenas dinamizadores ou facilitadores. A chamada para a neutralidade pode reforçar e legitimar as relações de poder existentes. Eles necessitam de ser concisos relativamente às acções para – ou contra as quais lutam.

2. Agir na solidariedade

Os profissionais deveriam procurar proactivamente oportunidades para se comprometerem de uma maneira crítica e empenhada com as sociedades e movimentos sociais para a mudança social progressiva.

3. Arriscar

A aprendizagem crítica e criativa é necessariamente imprevisível e com um final aberto. Explorar definições de problema oficial e desafiar maneiras de pensar garantidas podem ser um processo libertador.

4. Desenvolver a literacia política

A política precisa de ser mais educacional e a educação precisa de ser mais política. Aprender a analisar, discutir, co-agir, e participar em assuntos com importância requer um processo educacional sistemático.

5. Trabalhar na base

A democracia vive das acções das pessoas normais; não depende da ratificação do estado. Os profissionais deveriam estar todos os dias em contacto com pessoas do mesmo nível social e nos seus próprios termos.

6. Ouvir as vozes da discórdia

Activar a democracia é um processo baseado em criar espaços nos quais diferentes interesses são expressados e vozes são ouvidas. As divergências deveriam ser valorizadas em vez de abafadas.

7. Cultivar a diferença

A democracia não é necessariamente melhor servida pelo cidadão conformista. Isto significa que a função da educação é criar situações nas quais as pessoas possam confrontar as suas circunstâncias, reflectir criticamente nas suas experiências e agir.

8. Educar para uma mudança social

A acção colectiva pode causar uma mudança progressiva. Aprender para a democracia pode contribuir para este processo ao ligar a experiência pessoal a explicações políticas mais abrangentes e a processos.

9. Explorar alternativas

Aprender para a democracia pode dar às pessoas a oportunidade de se aperceberem que o status quo é evitável – que “outro mundo é possível”.

10. Expor o poder da linguagem

As palavras utilizadas para descrever a influência mundial na maneira de pensar e agir das pessoas. Aprender para a democracia envolve explorar como a linguagem forma as atitudes, as crenças e os valores.

6. Conclusão: assunto inacabado

Concluo com duas vozes do passado, que a meu ver continuam presentes hoje em dia – se nos dermos ao trabalho de ouvir. Ambos insistem que, quer seja na educação de alunos ou no apoio à educação, a educação de adultos tem uma parte crucial nos assuntos sempre inacabados da democracia da cidadania.

Em primeiro lugar, cito o que agora poderá parecer um livro um pouco obscuro de Harold Shearman, intitulado, simplesmente, Educação de Adultos para a Democracia (Adult Education for Democracy). Foi publicado, em 1944, no ano anterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, pela Associação da Educação dos Trabalhadores (Workers’ Education Association, WEA), mas obviamente a pensar no tempo de reconstrução pós-guerra e na esperança de construir uma nova sociedade. A questão é: De que maneiras, se é que de alguma, isto considera a fala para nós hoje em dia?

A democracia implica a formação de um juízo social com base na discussão informada. Requer que os homens e as mulheres decidam sobre problemas concretos, não como resultado das mudanças de estado de espírito ou opiniões casuais, mas à luz de uma filosofia de vida. Tal filosofia, se é que é algo mais do que a simples repetição de slogans, deve ser formada como resultado de muita reflexão nos problemas da organização social em geral, e nos objectivos e intenções da sociedade. O conhecimento é essencial, mas deve ser conjugado com a experiência, e a associação e a comparação da experiência de acordo com o conhecimento novo num grupo com interesses em comum, mas trazendo contribuições variadas para serem aplicadas no dia-a-dia, é esta a essência da Educação de Adultos democrática. (Shearman 1944: 77)

Deixo a última palavra para Raymond Williams, porque, a meu ver, nos dá uma boa maneira de começarmos a pensar e a discutir sobre o tema desta conferência, “Haverá lugar para a Educação de Adultos no Paradigma do Ensino?” – e porque concordo com o que ele diz.

…. Esta é uma ordem social que, de facto, não sabe em que respeitos cruciais é ignorante, em que respeitos cruciais é incompletamente consciente e, como tal, em que respeitos cruciais este processo colaborativo continua a ser central. (Williams 1993: 264).


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Morada:

Ian Martin
Honorary Fellow
Department of Higher and Community Education
University of Edinburgh
Holyrood Campus
Edinburgh EH8 8AQ
Email: Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo.

NB Ainda estou disponível para trabalhos que suscitem o interesse – remunerados ou não-remunerados!!


[1] SCUTREA 2008 38ª Conferência Anual: Haverá lugar para a Educação de Adultos no Paradigma do Ensino? Edinburgh 2-4 Julho de 2008.

[2] Tradução: Alexandra Almeida, Olena.
Polishchuk, e Ecaterina Palibroda. Curso de Tradução e Interpretação Multimédia da Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve.

Revisão: Mariana Santos, Sabrina Ildefonso e António Fragoso.


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