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vol 13 • 2012

Um estudo feminista sobre as actividades educativas e de aprendizagem de mulheres prestadoras de cuidados não remuneradas na Terra Nova e Labrador

Um estudo feminista sobre as actividades educativas e de aprendizagem de mulheres prestadoras de cuidados não remuneradas na Terra Nova e Labrador

Lorraine Sheehan, Human Resources Labour and Employment in the Skills Development Department, Government of Newfoundland and Labrador and Darlene E. Clover, University of Victoria

Tradução: Maria Helena Leite

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Resumo

Apesar de o Canadá ter um dos melhores sistemas de saúde do mundo, o neoliberalismo começa a trazer ao de cima as desigualdades de género. Recorrendo a entrevistas individuais e a focus group, este estudo feminista explorou as complexas estratégias educativas e de aprendizagem de sete mulheres prestadoras de serviços não remuneradas na costa sudoeste da Terra Nova e Labrador. As conclusões mostraram a existência de inúmeras capacidades no domínio da comunicação transdisciplinar, um sentido de agência, uma transferência do aprendente para o professor, bem como admiráveis conhecimentos médicos e capacidades técnicas. Contudo, as mulheres trabalham e aprendem predominantemente isoladas, o que levanta questões de poder e controlo com conotações quer positivas, quer negativas.

Palavras-chave

poder, conhecimento, prestadoras de cuidados não remuneradas, comunicação, aprendizagem autodirigida, literacia de saúde

Introdução

Os cuidados de saúde no Canadá, tal como noutras partes do mundo, são altamente politizados e ideologicamente orientados. Introduzido por um governo socialista em meados dos anos 90 do Séc. XX, o novo sistema universal de cuidados de saúde pretendia ser financiado publicamente e, ainda, ser acessível a todos de forma equitativa. Porém, o neoliberalismo está em marcha no Canadá com implicações profundas num sistema outrora sólido. Nas últimas décadas, os governos federais têm diminuído as dotações para o sistema de saúde. A par com estes cortes, estão os discursos governamentais, apoiados pela investigação da ala da direita (por ex. Irvine, Ferguson & Cacket, 2005), que deprecia constantemente o sistema de saúde, rotulando-o de não empreendedor, atulhado de tecnologia decrépita, tolhido pelos sindicatos, e incapaz de ir ao encontro da população mais idosa. Ao realçar constantemente estes defeitos, alguns académicos sugerem que o objectivo é fazer com que os Canadianos deixem o seu excelente sistema de apoio em prol de um esquema orientado para o mercado (por ex. Armstrong, Amaratunga, Bernier, Grant, Pederson & Wilson, 2002). Na província da Terra Nova e Labrador na costa este do Canadá – o objecto do nosso estudo – as actividades de reestruturação da economia da saúde têm sido particularmente intensas devido à natureza fundamentalmente rural da província, o que torna mais cara a provisão da saúde. A reestruturação das actividades abrange desde a junção de serviços e ao encerramento de clínicas, até à devolução da responsabilidade pelos cuidados de saúde aos indivíduos e às famílias. Mas os termos “indivíduos” e “famílias” são problemáticos dado que escondem a natureza sexista das actuais políticas e práticas de reestruturação (Halsaam, 1994; Botting, Neis, Kealey & Solberg, 2002). A maioria daqueles sobre cujos ombros são transferidos os cuidados de saúde são mulheres. Os académicos feministas, consequentemente, têm-se debruçado sobre o impacto complexo do neoliberalismo nas enfermeiras, nos técnicos e noutros funcionários do sistema de saúde (por ex. Heltlinger, 2003). A par com estes, há estudos que ilustram a situação das prestadoras de cuidados não remuneradas, o objecto do nosso estudo (por ex. Armstrong, et al, 2002). No entanto, tem sido dada pouca atenção à forma como e em torno de que conteúdos estão estas voluntárias a ser educadas ou a aprender como desempenhar o seu papel de prestadoras de serviços não remuneradas. Este é um enfoque muito importante não só porque contribui com discursos de educação e aprendizagem de adultos, mas também porque fornece mais uma peça do puzzle da problemática da reestruturação da saúde em contexto neoliberal e, ainda, porque amplifica as discussões de carácter político.

Através de entrevistas individuais e “focus groups”, o nosso estudo pretende iluminar e problematizar a aquisição de conhecimento sobre a saúde e as estratégias de aprendizagem autodirigidas de sete mulheres voluntárias, prestadoras de cuidados não remuneradas, na costa sudoeste da Terra Nova e Labrador. Começamos este artigo por uma breve contextualização do nosso estudo no âmbito da paisagem neoliberal do Canadá de hoje, particularmente no que concerne ao seu impacto nos cuidados de saúde do ponto de vista dos académicos feministas. Seguidamente, discutimos a aprendizagem autodirigida e a literacia da saúde, as lentes “educativas” que enquadram este estudo. Finalmente, apresentamos as conclusões, seguidas de uma discussão e terminamos fornecendo sugestões para mudanças na política da educação para a saúde para prestadores de serviços não remuneradas.

Neoliberalismo: O Contexto Político

O Canadá foi construído a partir de uma tradição de colectivismo e socialismo. O seu povo trabalhou em conjunto para estabelecer uma das “mais generosas provisões de benefícios que se pode encontrar no mundo” (Clarke, 1997, p. 17). Apesar de o neoliberalismo como teoria económica ter começado a influenciar significativamente os partidos conservadores Canadianos em meados dos anos 70 do Séc. XX, os partidos com uma orientação social continuaram, durante muitos anos, a vê-lo apenas como “uma forma anómala de extremismo político” (Teeple, 1995, p. 3). No entanto, tornou-se de tal forma normalizado que mesmo quando o eleitorado substitui um partido conservador por outro mais liberal ou social democrata, mantém-se o núcleo de expectativas de que se continuem e protejam estas políticas. O resultado tem sido o sistemático “legado de instituições socias há muito estabelecidas” (p. 2). O Canadá perspectivou socialmente o sistema de saúde universal como uma das vítimas.

O actual sistema de saúde Canadiano pode ser descrito metaforicamente como uma árvore. A parte visível – os ramos, as folhas e as flores – é o aparelho formal constituído por médicos, enfermeiros, clínicas e hospitais. No decurso das últimas duas décadas, os Canadianos testemunharam o encerramento de hospitais e centros de saúde de propriedade e gestão públicas. Um estudo de Heitlinger (2003) ilustra a falta de poder institucional dos enfermeiros e sugere que, tendo em conta que estes estão ao sabor das forças do mercado, não é provável que o ganhem. As raízes do nosso sistema de saúde – frágeis, vitais e invisíveis – são os prestadores de cuidados, descritos como indivíduos(sublinhado nosso) que prestam cuidados e assistência permanentes, sem remuneração, aos familiares ou amigos que necessitam de apoio devido a problemas do foro físico, cognitivo ou mental (Canadian Caregiver Coalition, 2004). Mas, tal como questionámos na introdução, as feministas argumentam que termos como “indivíduo” ou “prestador de cuidados” mascaram de forma problemática o facto de a maioria deles serem, efectivamente, mulheres (por ex. Botting, 2002; Tudiver, 1994). Estas mulheres, caracterizadas estereotipadamente como sendo naturalmente cuidadoras e sustentadoras, transportam o fardo intrinsecamente pesado de administrar os membros da família, mantendo-os saudáveis e, em muitos casos, vivos, sem o apoio institucional (mesmo que problemático), a formação extensiva ou os recursos a que os funcionários da saúde têm acesso. Há estudos que mostram que muitas prestadoras de cuidados não remuneradas tiram tempo do seu trabalho e consequentemente perdem salário e benefícios, ficam cansadas e vulneráveis a acidentes ou stress, sentindo-se cada vez mais isoladas dos amigos (Botting, 2002; Morris et al, 1999; Richard, Kasuya, Polgar- Bailey & Takeuchi, 2000). Os académicos feministas vêem isto como uma receita para o desastre, uma situação injusta e que, em última instância, se tornará insustentável (Hay, 2005; Richard, Kasuya, Polgar- Bailey & Takeuchi, 2000). Defendem mais apoio financeiro e apoio político para estas mulheres. Como contribuição para estes apelos, nós indagámos de que modo as mulheres prestadoras de serviços não remuneradas estão a aprender e/ou a ser educadas para desempenharem os seus papéis e que apoio este aspecto poderia requerer.

Conhecimento, Poder, Aprendizagem Autodirigida e Literacia da Saúde

Para além do neoliberalismo, as teorias da aprendizagem autodirigida e a literacia da saúde fornecem lentes através das quais podemos ver a educação e a aprendizagem das mulheres prestadoras de cuidados não remuneradas. Wilson (2010, p. 1) afirma que, hoje em dia, vivemos no centro de “uma explosão de conhecimento”. No que se refere aos que tentam conduzir o actual sistema de saúde, isto traduz-se em conceitos múltiplos e complexos e em palavras conjugadas com rápidos avanços ao nível da tecnologia e dos tratamentos que são passíveis de desafiar até os mais educados. Wilson continua, sugerindo que a aquisição de conhecimento – a que ele chama “poder do conhecimento” – empodera as pessoas capacitando-as para mobilizar as ferramentas necessárias para funcionar no mundo de hoje, saturado de informação complexa e de tecnologia, sustentando a capacidade de pensar criticamente. O “poder do conhecimento” é “civilizador” (sublinhado dele) e permite que as pessoas “saibam alguma coisa sobre todas as coisas… e enfrentem os problemas mais difíceis” (p.4). Isto significa que “os aprendentes autodirigidos são susceptíveis de ser os notórios vencedores” na refrega do conhecimento do Séc. XXI (p. 225).

Na sua génese, o conceito de aprendizagem autodirigida foi definido como “um processo no qual os indivíduos tomam a iniciativa de, com ou sem ajuda de outros, diagnosticar as suas necessidades, formular os seus objectivos, identificar os recursos humanos e materiais para a aprendizagem, escolher e implementar estratégias adequadas de aprendizagem e avaliar os resultados da aprendizagem” (Knowles, 1975, p. 8). Inerente a este discurso estão os conceitos inter relacionados de controlo, escolha, autonomia, agência e poder (Moulden, Peterson, Rinaldi, Charaniya, Malekpour, Churchill, Whitworth & Kostka, 2008; Rager, 2003; Taylor, 2009). O controlo define-se por estar no comando de e sobre aquilo que se aprende e o que se aprende. Realmente, a percepção inata, neste caso, influencia a capacidade para desafiar e para mudar práticas ou políticas.

Autonomia, agência e escolha têm muitas destas conotações mas também se reportam a um sentido de independência e de liberdade para decidir a sua própria trajectória de aprendizagem, diferenciar, seleccionar e agir dentro e sobre o mundo como sujeitos sabedores e confiantes. Resistindo nas malhas do controlo, a autonomia e outros são acepções de responsabilidade pessoal e questões de empoderamento definidas como “um processo através do qual os oprimidos ganham algum controlo sobre as suas vidas fazendo parte com outros… de actividades e estruturas que permitem às pessoas um envolvimento progressivo em assuntos que os afectam directamente” (Rai, 2007, p.113). Os académicos também têm atribuído certas características aos aprendentes autodirigidos competentes: enérgicos, positivos, autoconfiantes e hábeis (Collins, 2009; Levett -Jones, 2005). De facto, o aprendente autodirigido hábil é capaz, está pronto e disposto a preparar, executar e completar a aprendizagem de forma independente. Além disso, ele ou ela “é capaz de decidir o que precisa de aprender seguidamente” (Jossberger a, Brand- Gruwela, Boshuizena and Wieb, 2010, p. 418). No mundo complexo dos nossos dias, o que precisa ser aprendido, de acordo com Wilson (2010) é “poder de conhecimento orientado” ou “requisitado” que inclui dar sentido ao significado do conhecimento básico (antigo) e adquirir novo conhecimento, bem como a capacidade de comunicar.

Alguns académicos, no entanto, recomendam cuidado e vigilância face ao entusiasmo pela aprendizagem autodirigida (Tusting & Barton, 2006). Candy (1991) e Taylor (2009) sugerem, por exemplo, que o discurso da aprendizagem autodirigida tende a subestimar o poder dos factores culturais e sociais que restringem a liberdade e a autonomia. Existem, ainda, factores estruturais e institucionais, como no caso do sistema de saúde, que criam as suas próprias restrições e limitações. Os feministas, em cujo grupo nos enquadramos, sugerem que, para além disso, o condicionamento de género continua a ter um impacto negativo na dose de controlo, de autoconfiança, de autonomia e de “escolha” que as mulheres realmente têm (Butterwick, 2003; Hayes & Flannery, 2000). Eles não olham para as mulheres apenas como vítimas dos sistemas fora do seu controlo nem para a aprendizagem autodirigida como inútil (Rager, 2003) mas reconhecem e problematizam as limitações de género e os desafios do discurso da aprendizagem autodirigida.

Outrossim, a questão do conhecimento como poder também necessita de ser problematizada. Quando é que o conhecimento se torna em verdadeiro poder e quando é que pode ser usado em prejuízo das mulheres? De acordo com Thompson (1997), de que tipo e quando é que o conhecimento é realmente útil ou não? Estas questões levam-nos aos debates contemporâneos sobre literacia da saúde.

A literacia da saúde é um termo que os académicos usam para tentar desvendar o labirinto da educação, da formação e do conhecimento requeridos no complexo mundo actual da saúde (Nutbeam, 2006). É definida como “uma constelação de habilidades, incluindo a capacidade de desempenhar tarefas básicas de leitura e numeracia necessárias para intervir no contexto do sistema de saúde” (Parker in Greenberg, 2001, p.69). Inerentes à literacia da saúde, estão também noções complexas de controlo, conhecimento prático e autonomia que são contestados, tal como acontece com a aprendizagem autodirigida. Ao passo que para alguns, a responsabilidade não passa de empoderamento, outros problematizam-na. Académicos feministas como Chovanec and Foss (2006) e Greenberg (2001), por exemplo, defendem um movimento distante das abordagens que favorecem o individualismo em prol de uma ênfase na economia política da saúde por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, a responsabilidade individual pela saúde transformou-se num disfarce para a redução do investimento dos cuidados institucionalizados e, em segundo lugar, colocou uma responsabilidade desproporcionada nas mulheres, das quais se espera que se mantenham saudáveis e cuidem dos outros (Haslam, 1994).

O desenho da investigação

O objectivo deste estudo feminista foi explorar as estratégias educativas e de aprendizagem de prestadoras de serviços não remuneradas na costa oeste da Terra Nova e Labrador. Escolhemos a investigação feminista porque tem uma intenção emancipadora e transformadora. Para além disso, coloca as mulheres no centro do processo de investigação, começando com as suas experiências e pontos de vista como objecto, trazendo ao de cima, desde as margens, as suas vozes e perspectivas (De Koning and Martin, 1996; Hesse- Biber & Leavy, 2007; Ironstone-Catteral, 1998).

Participaram no estudo sete prestadoras de cuidados não remuneradas que responderam aos anúncios que colocámos em dois centros locais e de mulheres a pedir voluntárias com cinco ou mais anos de experiência em prestação de cuidados. Uma das autoras é também, de há muito, uma prestadora de cuidados. As mulheres que responderam aos nossos anúncios estavam ansiosas por partilhar as suas experiências e viam o estudo como “uma forma de se ligarem a um grupo mais alargado” (Jackie).

Perfis das participantes

Noreen tem setenta e poucos anos, é casada há mais de cinquenta e tem cuidado do marido nos últimos catorze, devido a uma insuficiência renal. Tinham poupado uma quantia razoável mas de momento apenas conseguem pagar as despesas do dia-a-dia dado que todas as poupanças são necessárias para cobrir os custos médicos adicionais. Noreen sente falta de uma réstia de liberdade.

Ida é uma jovem aposentada, casada pela segunda vez, mãe e prestadora de cuidados de uma rapariga de vinte e quatro anos. Há nove anos, diagnosticaram esquizofrenia, tendência para transtorno bipolar e um ligeiro atraso de desenvolvimento à sua filha. Desde aí, Ida é uma incansável defensora da filha mas agora tem de cuidar da sua mãe, que sofreu recentemente uma apoplexia que a deixou cega, paralisada de um dos lados e dependente de um tubo para se alimentar. Descreve a sua vida como estando permanentemente ao serviço, “disponível” e sem espontaneidade.

Maria é uma mãe de três filhos, divorciada, que trabalha em part-time. O filho mais velho nasceu com várias deficiências mentais e físicas. Sofre de hidrocefalia, paralisia cerebral e é alimentado através de um tubo. Disseram-lhe que o filho só sobreviveria seis meses mas devido ao seu auto-sacrifício e aos seus cuidados, ele chegou aos vinte e cinco. Ela realça que a sua prestação como cuidadora melhorou mas treme só de pensar no que acontecerá se/quando ficar doente.

Dorothy é solteira e não tem filhos. Tem trabalhado a tempo inteiro e, nos últimos dez anos, tem vivido com a mãe e cuidado dela. Refere o quanto o género é importante na nossa sociedade e como se tornou a principal prestadora de cuidados à mãe, sendo a única mulher de entre seis irmãos. Os seus irmãos têm todos família e, por isso, tudo recai sobre ela. A mãe teve várias apoplexias e precisa de atenção a tempo inteiro. Dorothy só teve umas férias de dez dias em dez anos porque “Eu não perturbaria a minha mãe em meu próprio benefício.” Tal como Noreen, ela descreve a sua vida como falha de liberdade.

Jackie tem quarenta e três anos e identifica-se como feminista e activista social. Quando a mãe precisou dela devido ao agravamento da artrite, Jackie empacotou os seus vinte anos de vida citadina e regressou à sua pequena comunidade rural para cuidar da mãe. Ela está preocupada por poder não encontrar trabalho no local e sabe que ela e a mãe não podem sobreviver da pensão da mãe. Simultaneamente, esperava mais apoio da família e dos amigos e admite sentir-se só e assustada. Porém, Jackie começou a envolver-se na política municipal.

Rona é prestadora de serviços há trinta e cinco anos, desde 1970, ano em que a sua filha nasceu com severas deficiências físicas e de desenvolvimento. Rona trabalhou a tempo inteiro em empregos com horário ao fim de tarde ou nocturno porque o marido trabalhava todo o dia e, no início, faziam turnos na prestação de cuidados. Contudo, a mãe dela ficou doente e o padrasto não admitia ninguém mais em sua casa para cuidar dela. Rona descreve a vida dela como muito dura e questiona-se por que tem que sofrer tanto para evitar sofrimento à mãe e à filha.

Lorna tem à volta de cinquenta e cinco anos. Passou vinte e dois a cuidar de uma filha severamente incapacitada e, depois da morte da filha, a mãe mudou-se para casa dela e precisa de cuidados. Lorna é educadora de adultos e trabalha a tempo inteiro num centro de mulheres. Relata sentimentos de exaustão mas amava demasiado a mãe e a filha para deixá-las à mercê do que ela apelida de “um sistema indiferente”. Apesar de tudo, ela fez recentemente um Master para escapar ao “sentimento de clausura, sem liberdade… Eu precisava de espaço, espaço para mim.”

O estudo começa com um focus group que reuniu as sete mulheres que nos ajudariam a desenvolver as questões orientadas acerca das suas estratégias de educação e de aprendizagem.

Seguidamente, fizemos entrevistas individuais nas quais as investigadoras sondaram quais os conhecimentos de saúde, as actividades de aprendizagem e de educação e os contextos políticos e sociais das mulheres não remuneradas. A isto, seguiu-se um focus group levado a cabo no centro de mulheres onde trabalhava uma das autoras. Este local era de fácil acesso. O focus group permitiu às mulheres desenvolver as ideias que tinham partilhado nas entrevistas e, acima de tudo, falar de advocacia e trabalho em rede mais detalhadamente, o que é recomendado por feministas que trabalham no serviço de saúde (Tudiver, 1994). Todas as entrevistas, bem como os focus groups finais foram gravados e transcritos. A partir dos dados compilados, as investigadoras analisaram, codificaram e tematizaram as experiências das participantes (Gubrium, Sankas, Luborsky, 1994).

Comunicação transdisciplinar

Aprender a comunicar transdisciplinarmente foi uma das estratégias chave nas quais as mulheres se envolveram. Isto foi sempre aprendido se bem que raramente ou mesmo nunca tenha sido ensinado. Um dos aspectos tidos em conta foi aprender a comunicar atravessando uma diversidade de burocracias, ao que Noreen chamou “falar transdisciplinarmente”. Nenhuma das mulheres percebeu realmente quão complexa ou frequente seriam estas comunicações e os múltiplos papéis que as levariam a desempenhar. Por exemplo, para lidar com o seu filho deficiente, Maria tem que comunicar com uma assistente social, um fisioterapeuta, um médico de família, vários especialistas e prestadores de cuidados ao domicílio e até um restaurador de casas. Outras agências incluem fornecedores de equipamento médico para deficientes físicos e pessoal de reabilitação. Ela argumentava que “o psiquiatra, os assistentes sociais e os políticos do sistema de saúde”, por exemplo, raramente ou nunca comunicavam e, por isso, “Eu fui o veículo para isso. Fui eu quem fez a ligação entre eles”. Jackie acrescentou que “todos têm a sua própria linguagem especializada” e que teve que aprender rapidamente a saltar de “uma determinada gíria para outra”. Daley (2006) alega que manter-se a par da gíria da saúde é extremamente difícil, até para os que mais sabem de medicina. No entanto, as prestadoras de cuidados aprenderam a teia de comunicação que atravessava os diversos departamentos e que “de certa forma, mantém as diferentes pessoas unidas. Bem, alguém tem que aprender a fazê-lo!” (Lorna).

Autoconfiança e o “direito” de questionar

Autoconfiança, autonomia, controlo, assertividade, são todos atributos do aprendente autodirigido e este foi o segundo tema mais importante no estudo. Jackie deu um exemplo de quando telefonou e falou com o Primeiro-ministro da Terra Nova e Labrador. Ela Observou: “Eu tinha aprendido capacidades de persuasão bastante sólidas e não tenho medo de falar com ninguém sobre aquilo que eu sei a que tenho direito”. Rona descreveu esta actividade como “aprender a lutar sempre e melhorar a cadeia. Temos que continuar a subir cada vez mais alto”. Ida argumentou que temos que convocar constantemente a persistência e nunca desistir porque “Na política, estamos sempre a ouvir: Não! Não! Não! É apenas uma desculpa para não o tomarem em conta. Se falarmos muitas vezes e suficientemente alto, dar-nos-ão alguma coisa para nos calar”. Lorde (1984) descreve isto como “a transformação do silêncio em linguagem e em acção” (p.40), um sentido de agência que ajuda as mulheres a desafiar um sistema despoletando um poder interior (Hayes and Flannery, 2000; Tisdell, 2001).

No entanto, houve muitos momentos de choro durante o estudo, por um lado devido à intensa raiva e por outro à extrema fadiga que Ida apelidava de “barreiras que precisam de ser transpostas ou evitadas”. Ainda, a aprendizagem e a acção foram muitas vezes feitas individualmente. Por vezes, houve ganhos impressionantes, alguém conseguiu algum apoio mas era uma luta no isolamento e fora dele. Tal como Ida referiu prontamente, os prestadores de cuidados remunerados e os não remunerados não formam, de facto, uma equipa. Independentemente da simpatia e da solidariedade do pessoal remunerado, “uma equipa implica cooperação visando um objectivo comum que não existe por várias razões”.

De Aprendentes a Professores

Quem é um aprendente e quem é um professor? Quando é que os aprendentes se transformam em professores? Estas perguntas introduzem o terceiro tema que emerge no estudo e que é, de facto, complexo e perturbador. Seria inconcebível que o pessoal médico do Canadá considerasse trabalhar na linha da frente do sistema de saúde sem uma educação médica sólida. Os profissionais são treinados longa e regularmente para, por exemplo, reconhecer sintomas e administrar medicação. Segundo eles, têm uma elevada “literacia da saúde”. Porém, espera-se um conhecimento ou um nível de literacia semelhantes das mulheres prestadoras de cuidados não remuneradas sem formação:

Bem, imaginem alguém a dar-lhes [um medicamento específico] e não se lembrar do nome… Peguei nos livros e há dois lotes de medicamentos que temos que misturar e temos que o fazer à risca. Bem, caramba, não sou farmacêutica e senti que se lhe (ao marido dela) acontecesse alguma coisa, a culpa seria minha.

(Noreen).

No entanto, quando Noreen telefonou para o hospital a pedir ajuda, “Disseram-me que eu sabia mais sobre o caso dele do que as enfermeiras do hospital. Disseram mais ou menos que o conhecimento me dava a responsabilidade de mantê-lo vivo”. Maria aprendeu a mudar os tubos gastrointestinais do abdómen do filho. Quando lhe perguntaram como é que tinha aprendido a fazê-lo, ela respondeu “Oh, nunca ninguém me ensinou, tudo o que aprendi foi sozinha. Li alguns livros e confirmei online. Aquilo que não li, aprendi com a experiência.” Uma vez, o filho arrancou um dos tubos e, quando ela o levou ao hospital, “a enfermeira não conseguiu inseri-lo, o médico de serviço também não, teve que ser o cirurgião a fazê-lo”.

Outras participantes falaram sobre aprender tudo o que é técnico. Por exemplo, no focus group, Noreen contou esta história:

Deixem-me contar-vos acerca da máquina [de diálise caseira]. Tive que aprender a usá-la, tive que aprender a dar-lhe um murro se tiver uma bolha, ela desligava-se e tinha que a ligar de novo. Se acontecesse alguma coisa à máquina, tinha que ligar para um certo número e diziam-me como devia concertá-la. É cruel.

Algumas mulheres falaram sobre breves sessões de formação que receberam no hospital acerca da utilização de máquinas ou dos curativos a feridas. Mas a maioria estava a fazer procedimentos técnicos que na altura lhes pareciam arriscados e que, com foi dito anteriormente, só um cirurgião era capaz de fazer. Os regulamentos governamentais exigem que os prestadores de serviços remunerados tenham pelo menos seis meses extra de formação para serem contratados mas isto não parece aplicar-se às prestadoras de cuidados não remuneradas.

Muitas mulheres partilharam os seus grandes medos relativos às suas capacidades porque “no final, quer ele viva ou morra, é um problema meu. Eu sou a responsável aqui, e por isso é importante o que eu aprendi e o que eu sei”.

As participantes também lamentaram a falta de informação disponível nas diversas agências acerca, por exemplo, de doenças mentais e relataram as horas passadas na internet à volta de aparelhos médicos, medicamentos, sintomas e doenças diversas “para se prepararem para as emergências quando, não se, acontecerem” (Dorothy). O estudo de Rager (2003), sobre cancro de mama nas mulheres, chamou a atenção para a importância da internet “não só pela informação mas também pelo apoio moral” (2003, p.285) e parece que, pelo menos no que se refere à informação, muitas mulheres confiam nesta tecnologia para lhes fornecer as respostas de que necessitam. Contudo, algumas participantes questionaram estas actividades. Por exemplo, Ida disse: “Eu posso aprender muitas coisas online e nos livros ou panfletos. Mas sabem o que falta aqui? O questionamento. O toque humano. Não é uma pessoa com quem eu possa falar. Isso faz com que seja limitador e isolador”.

Mas estas mulheres não se restringiram a aprender para elas mesmas. Muitas delas tornaram-se educadoras, sustentando o sistema de saúde com a sua competência e habilidade. Um excelente exemplo vem-nos de Noreen :

Quando a bomba de alimentação chegou a minha casa, passei horas a tentar pô-la pronta a funcionar. Nem o serviço público de saúde nem o hospital conseguiram ajudar-me. Nunca tinham usado este tipo de bomba antes. Eu tinha que o alimentar [ao filho] por isso tinha que aprender. Agora, ensino as minhas assistentes domiciliárias o que significa que, cada vez que há uma mudança – o que acontece muitas vezes… a pessoa que vem precisa de aprender muita coisa. Há a bomba, o cuidado com o tubo e a medicação. Leva-me bem duas semanas formá-las.

O trabalho em rede e a advocacia

Há alguns exemplos de trabalho em rede e de acções que foram para além dos seus próprios mundos e necessidades. Contudo, isto não se confinou, surpreendentemente, às mulheres que tinham um passado activista. Lorna, por exemplo, envolveu-se muito no contacto com outras prestadoras de cuidados não remuneradas “porque eles [sistema publico de saúde] nunca nos dizem o que está disponível e temos de encontrar o que precisamos sozinhas. Por isso é que, quando vejo outras pessoas com um filho deficiente, encontro-as e falo com elas porque posso ajudá-las”. A incapacidade das agências de saúde para advogar eficazmente em benefício das mulheres, empurrou-as para o papel de porta-vozes dos deficientes, doentes mentais, idosos e outros. Rona, em desespero de causa, levou a sua história aos meios de comunicação e, com o apoio destes, conseguiu uma prestadora de serviços de saúde 40 horas por semana. Isto poderia ter sido visto apenas como uma vitória pessoal mas, ao levar a sua história até aos meios de comunicação, foi-lhe possível fornecer informação que, de outro modo, seria invisível aos olhos da maior parte das pessoas (muitas das quais poderiam acabar por ser prestadoras de cuidados) e embaraçar um sistema não-responsivo, fazendo-o agir. Por seu lado, o público juntou a sua voz à causa dela, através de cartas ao editor e, por isso, ela criou um novo conhecimento a partir do antigo e mobilizou o conhecimento (Wilson, 2010).

O focus group terminou com uma discussão sobre como desenvolver uma rede de trabalho de prestadoras de serviços não remuneradas que pudesse dar apoio moral, algo inestimável, conforme sugerido por Rager (2003) mas, acima de tudo, para falarem como um grupo, desafiando o sistema, em vez de estarem em isolamento permanente. Laura referiu como o facto de ter participado neste estudo “mitigou o meu sentido de isolamento como prestadora de cuidados. Na pequena rede de trabalho de prestadoras de cuidados não remuneradas, para além de a minha voz ser ouvida, os meus sentimentos e os meus medos eram validados. Sentia-me apoiada e esperançada de que juntas poderíamos advogar a mudança”. Os académicos feministas e os educadores de adultos vêem neste facto um resultado importante do processo de indagação- uma maior compreensão da realidade de cada um como um ponto de partida para o conhecimento sobre um contexto mais lato e uma decisão colectiva de trabalhar para a mudança (Hess- Biber & Leavy, 2007; Ironstone-Catteral, 1998; Montell, 1999; Tisdell, 2001; Preece, 2009).

Todavia, a maior parte das histórias de aprendizagem e funcionamento foram histórias de luta e de acção individuais e isto não “vai desaparecer tão cedo para que o sistema mude”. Enquanto as mulheres não avançaram até ao ponto de dizerem que o governo tentava mantê-las afastadas deliberadamente, elas sugeriam que o sentiam como se fosse um objectivo: “quanto mais isoladas estiverem, menos impacto têm”.

Discussão e conclusões

As participantes neste estudo aprenderam a ser aprendentes hábeis e autodirigidas que adquiriram um conjunto de estratégias para aprender os seus papéis tais como ler livros, questionar permanentemente e, embora não muitas vezes, participar em sessões de formação. Outras estratégias incluíam observar, tentar e errar. Apesar de a aprendizagem experimental ser uma prática de grande valor, temos que reconhecer que estas mulheres compreendem perfeitamente que a prática de tentativa e erro tem vidas em jogo. Uma terceira estratégia utilizada foi a Internet. Embora o treino formal para usar equipamento, misturar e administrar medicação e levar a cabo outras tarefas médicas, tais como mudar bombas ou inserir tubos, fosse mínimo, através do autodidactismo, as mulheres ganharam aquilo a que Wilson (2010) chama “conhecimento focalizado”, neste caso médico e técnico, de tal forma que elas se transformaram em instrutoras e porta-vozes, usando aquilo que aprenderam, lutando para ajudar os outros e proporcionar liderança (Taylor, 2009). As prestadoras de cuidados não remuneradas do nosso estudo aprenderam a realizar tarefas previstas como sendo próprias apenas para cirurgiões especializados ou farmacêuticos. Sem exagero, elas realmente mantêm os seus familiares vivos.

Estas actividades autodirigidas devem ser vistas como empoderadoras no sentido de um maior controlo das situações, de um sentido de agência e mesmo de influência que estas mulheres exerceram no sistema, apesar de muitas vezes apenas em benefício individual, como referiremos posteriormente. O conhecimento é, aqui, realmente, poder, “um recurso capital” como sugere Wilson (2010, p.1) e estas mulheres devem ser aplaudidas por aquilo que aprenderam e pelos ganhos que tiveram. Através das suas práticas autodirigidas, adquiriram uma consciência prática manifesta em disciplinas que cruzam fronteiras, desenvolveram fortes capacidades de comunicação e aprenderam o que precisavam para manter os familiares saudáveis e vivos. Embora muitos estudos sugiram que as mulheres se sentem muitas vezes intimidadas para por questões, o que teve algum eco no nosso estudo, muitas delas estão realmente a reunir o conhecimento que as leva a ter coragem, não só de questionar o sistema de saúde mas também de telefonar ao Primeiro Ministro da província e comunicação social, se necessário. Há muito tempo que as feministas alegam que as mulheres possuem habilidades muitas vezes ignoradas, armadilhadas ou apagadas nos discursos do saber legitimado pela sociedade e, em certos momentos, até pelas próprias mulheres (Hayes & Flannery, 2000; Preece, 2009). No entanto, apesar de acharmos que as mulheres eram demasiado modestas acerca do seu conhecimento médico, elas reconheceram o seu poder e o seu conhecimento de tal forma que afastavam as assistentes sociais para controlarem a situação. Elas levam-nos através da literacia da saúde, num continuum de aquisição de “habililidades funcionais de que os indivíduos necessitam para lidar com a sua própria saúde”, em direcção ao que Chovanec and Foss chamam ‘literacia crítica da saúde” (p. 219), de tão variadas maneiras que isto é poderoso e importante.Porém, as suas situações são sempre empoderadoras ? Taylor (2009) adverte que “à primeira vista, o conceito de aprendizagem autodirigida parece ser um bem evidente porque põe o aprendente no centro do palco e assegura que seja dada a máxima prioridade às suas necessidades e aos seus interesses” (p. 207). Há certamente marcas nas vidas destas mulheres que revelam complexidade em torno do poder e do conhecimento.

Ler livros e procurar informação online é uma aprendizagem inestimável mas nem sempre substitui a formação formal e o tipo de aprendizagem que acontece quando se discute e partilha ideias com os outros e se testa compreensões e informação em comparação com o conhecimento de outra pessoa ou de um grupo. Para além disso, também se deve ter cuidado com a Internet. Sendo uma ferramenta tão poderosa como a informação social / trabalho em rede é, também existe muito “lixo” médico online e no serviço de saúde, muito dele para fazer dinheiro encorajando as pessoas a comprar, por exemplo, medicamentos. Existe, ainda, o problema de as pessoas tomarem os sintomas como seus ou vê-los nos outros de acordo com o que leram (Authors, 2007). A literacia da saúde é a capacidade de “atingir a compreensão e, como último objectivo, alcançar a sabedoria”, não apenas a capacidade de ler acerca de sintomas (Hawthorne and Klein, 1999, p. 140).

Não uma indicação real no sistema de saúde existente no sudoeste da costa da Terra Nova e Labrador de que os ganhos individuais destas mulheres se tenham traduzido numa mudança na política da qual outros colherão as recompensas. Apesar de, no início, terem falado sobre começarem uma rede de trabalho que pudesse ter uma voz mais forte e mais colectiva, na realidade estão tão ocupadas com os cuidados e tão cansadas que muitas delas tinham dificuldade em imaginar de onde poderiam arrancar o tempo, quanto mais a energia, para isso. Elas agem mesmo sozinhas ou em isolamento porque os “compromissos de cuidados” as impedem de ser mais activas colectiva e publicamente a maior parte das vezes (Preece, 2006, p. 426). Por outras palavras, um sentido colectivo de poder está ausente e a mudança político-social também. Assim, o poder do seu conhecimento focalizado não parece conseguir fazer aquilo que Wilson (2010) sugere ser o mais importante: “fornecer a base para resolver os nossos problemas mais difíceis e estar à altura dos nossos desafios mais significativos” (p. 7). Os nossos desfios são a destruição do nosso sistema de saúde e uma cegueira de género que é tão palpável quanto invisível.

A aptidão de uma das participantes, pô-la numa posição em que teve de reparar uma máquina de diálise. Demonstrando espírito e empenho, ela fê-lo mas sentiu que foi “cruel”, se não perigoso, que o pessoal de saúde esperasse isso, tendo em conta que, afinal, era o equipamento deles. A dura realidade é que é a responsabilidade pessoal destas prestadoras de serviços “não remuneradas” que está no cotidiano do “negócio” de manter as pessoas vivas (Daley, 2006, p. 219). Isto nega a noção de escolha no que se refere à sua aprendizagem e aos papéis que elas têm que desempenhar diminuindo, assim, muito daquilo a que se chama empoderamento. Realmente, isto também não é aquilo a que Daley (2006) chama “acesso equitativo e sustentável ao conhecimento da saúde”. Mais ainda, deveríamos perguntar se é esperado que os prestadores de cuidados pagos nos hospitais, clínicas e outros locais, cumpram estes deveres sem retribuição. A ambas diríamos “ainda não”, no Canadá. To both of these we would say ‘not yet’ in Canada. Apesar de existir a assunção de que, num sistema universal de saúde, os recursos são distribuídos equilibradamente, o nosso estudo também sustenta as opiniões dos académicos e investigadores feministas que afirmam que não o são (i.e. Chovanec and Foss, 2006; Morris et al, 1999; Hanson, 2001). Uma aprendizagem “hábil” combinada com a racionalização económica neoliberal nos cuidados de saúde põe as mulheres em situações de vida e morte, impossíveis com outro tipo de aprendizagem. O que sugerimos aqui é uma inter-relação problemática entre uma ideologia política e uma aprendente autodirigida altamente motivada que podia ter sérias consequências. Os elogios pelo que as participantes sabem e pelo que são capazes de fazer estão bem fundamentados; a transferência de responsabilidade é opressiva e aproveita-se do facto de estas mulheres amarem a sua família e estarem dispostas a ir até ao limite para aprenderem a cuidar deles.

Concluimos este artigo com algumas recomendações. Em primeiro lugar, recomendaríamos que fosse desenvolvida e sustentada uma rede de trabalho de suporte pelos seus pares. Como sugerem Holland (2005), Rager (2003) and Tudiver (1994), uma rede de trabalho cria um espaço seguro onde as mulheres podem aprender umas com as outras e providencias ouvintes constantes para protestar acerca do sistema de saúde ou da sua situação. Concomitantemente, seria também um espaço para que elas se tornassem uma voz mais colectiva, exigindo mudanças que teriam mais hipótese de ter um impacto no sistema do que partindo apenas dos indivíduos. Tendo em conta os constrangimentos pessoais, as reuniões poderiam ser cara a cara mas também virtuais, dado que todas as mulheres têm acesso a computadores. Todavia, isto, só por si, é insuficiente de muitas formas, meras adições à responsabilidade esmagadora que estas mulheres têm na sua vida. Ainda, como os académicos feministas sugeriram, e as mulheres neste estudo também referiram, o pessoal de enfermagem e outro do sistema de saúde também é mal pago e sobrecarregado de trabalho. Apelamos, portanto, a que existam espaços estruturados para diálogo entre os prestadores de cuidados remunerados e não remunerados para discutirem as suas necessidades e preocupações “comuns” tendo em conte a saúde pública. Deste modo, poderiam trabalhar juntos para resolverem “problemas relacionados com a saúde quer ao nível individual, quer ao nível comunitário” (Daley, 2006, p. 233). Em terceiro lugar, sugerimos que sejam desenvolvidos melhores mecanismos de educação e formação. Para atingir este objectivo, seria feita uma campanha que alerte o público para o facto de tantas mulheres estarem a cuidar de outros sem a formação médica que poderiam acreditar ser fundamental para o desempenho deste papel, apesar das suas fortes estratégias de aprendizagem e conhecimento.

Não obstante o sistema de saúde universal do Canadá continuar a ser um dos melhores do mundo, como em muitas outras situações, existe cegueira de género, bem como existem ajustamentos neoliberais que temos que desafiar e transformar activamente. Se a literacia da saúde, a aprendizagem autodirigida e o conhecimento são verdadeiramente poder, então, deixem-nos torná-los assim em toda a linha.


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