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vol 10 • 2011

Globalização, tecnicismo e os desafios para uma educação comprometida com a formação humana

Globalização, tecnicismo e os desafios para uma educação comprometida com a formação humana

Jose Clovis de Azevedo. Professor Doutor e Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação do Centro Universitário Metodista, do IPA. Docente na disciplina de Educação e Reabilitação no Programa de Mestrado em Reabilitação e Inclusão e na disciplina de Currículo e Cultura no curso de Pedagogia.

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Introdução

No final do século, ao contrário da tendência mundial, houve no Brasil um conjunto de vitórias eleitorais de projetos populares para governos municipais e estaduais. Estes projetos tinham um conteúdo político de forte oposição ao neoliberalismo, constituindo-se em resistência contra-hegemônica em oposição aos postulados do pensamento único, subordinado ao mercado. As chamadas administrações populares fortaleceram o setor público e estimularam mecanismos de participação, radicalizando a democracia.

Na educação foram criadas várias referências transformadoras como possibilidades de reformas educativas: a Escola Cidadã de Porto Alegre; a Escola Plural de Belo Horizonte e a Escola Candango no Distrito Federal, entre outras. Nos últimos dez anos a integração crescente do Brasil no contexto macroeconômico mundial e seus derivados políticos enfraqueceram as alternativas populares. No entanto, no estado do Rio Grande do Sul a referência da Escola Cidadã ainda é compartilhada com vários governos locais de tendências progressistas, cujas práticas participativas e democratizantes orientam mudanças na educação. De outra parte, a vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores que governará o Estado do Rio Grande do Sul, nos próximos quatro anos certamente ampliará a discussão sobre o conteúdo e os fundamentos da educação.

1 Fundamentos para uma educação comprometida com a formação humana

1.1 O educador e a formação humana

Organizar o ensino a partir do conceito de formação humana é uma tarefa complexa e desafiadora, embora compatível àqueles que assumem a educação como opção profissional consciente, dotados de ânimo valorativo inerente às tarefas de um verdadeiro educador. Ter uma postura professoral de quem repassa o que sabe para os que nada sabem, constitui-se numa ação relativamente fácil e simples, mas ensinar com o compromisso de educador, cujo objeto de trabalho é garantir o acesso ao conhecimento pelo sujeito aprendiz, demanda uma grande mobilização de energias e vontades, de competência teórica e operativa. Quantas vezes já ouvimos de nossos pares, no fragor das nossas lutas pela valorização profissional, a costumeira afirmativa: somos importantes, vitais à sociedade, pois, por ‘nossas mãos passam’ médicos, engenheiros, advogados, cientistas... Passar por nossas mãos pode ter múltiplos significados. Certamente passaram por nós os bons e os maus médicos, os bons e os maus engenheiros e os bons e os maus advogados. Seria exagero concentrar no papel do educador a responsabilidade exclusiva pelos ‘bons’ e pelos ‘maus’ profissionais. Mas, sem dúvida, a ação ou a omissão de um educador pode fazer a diferença na postura ética, na responsabilidade e na competência destes profissionais.

Para um professor que tenha se constituído como educador ‘passar pelas mãos’ significa mergulhar no mundo dos educandos, perceber que cada um deles é um universo de criatividade, de sensibilidade, de potencialidade, de afetividade e que cada um deles têm uma história, uma identidade e, portanto, um jeito singular de relacionar-se com o mundo, com o novo, com o conhecimento, o que lhe confere necessidades e capacidades cognitivas específicas, as quais o educador buscará responder. Para um professor do tipo “tradicional”, essas características individuais não são importantes, pois em princípio todos os educandos são iguais, definidos a partir de um modelo abstrato de estudante, receptores passivos, homogeneizados artificialmente, unilateralmente. Muitos ‘passam pelas mãos’ do professor incólume, não sendo atingidos na sua formação como seres humanos, como seres históricos, embora possam ser instrumentalizados por determinados conteúdos e até mesmo chegarem ao exercício de profissões muito consideradas socialmente, enquanto os que não se enquadram no modelo homogeneizador são jogados na vala da exclusão.

Estas primeiras reflexões nos forçam a separar o ato interativo de educar do ato arbitrário, em que educar é reduzido à transmissão de conteúdos descontextualizados, sem raízes, sem sentido na vida real do sujeito educando. A educação é um processo civilizatório, um espaço de recriação e ressignificação da cultura herdada das gerações anteriores. (PARO, 2000). Quando ela é simplesmente transmitida como repetição, perde seu significado e inibe a criatividade e seu potencial humanizador como ação cultural, transformando-se em educação bancária. (FREIRE, 1994).

É necessário que se faça a distinção entre formação e treinamento. O educando é um sujeito histórico que necessita ser integrado no contexto cultural, habilitado a criar e transformar a sua existência. Cada indivíduo faz história participando da produção cultural, interagindo em uma relação dialética com a sua realidade social. Ao mesmo tempo em que o indivíduo é único, singular, sua constituição e formação só se realizam na relação interativa com o outro e nesse processo atua também como produtor da realidade social. (VYGOTSKY, 1984). A educação é um dos principais espaços de mediação na formação do sujeito histórico. É nesta perspectiva que faz sentido o conceito de formação integral. A formação que articula as potencialidades de todas as dimensões do ser humano. O ser humano na sua singularidade é essencialmente plural, nas suas relações com o mundo, enfrenta cada desafio com respostas múltiplas. A um mesmo estímulo dá respostas variadas. Suas respostas são diversificadas e não padronizadas, alterando-se no próprio ato de responder. A ação humana é, portanto, um movimento interativo que se caracteriza pela pluralidade na singularidade.

Formação humana é, portanto, a antítese da repetição. A repetição e a padronização são elementos estranhos à essencialidade do ser humano. Desempenhos padronizados, repetição, treinamento, quando precedem a formação humana geral, embotam a criatividade humana, suprimem a liberdade e reduzem o ser humano à passividade. Treinar para um comportamento e um objetivo específicos pode ser uma necessidade em determinadas circunstâncias, mas, isso não dispensa e não se confunde com a necessidade de formação integral. Em geral quem está mais apto a responder à aquisição de habilidades específicas são aqueles que tiveram uma formação geral sólida na Educação Básica. Ou seja, quem tem acesso ao capital cultural (BOURDIEU, 1978), os setores médios e as elites sociais, beneficiados com uma formação diversificada e consistente na Educação Básica o que os habilita às melhores ocupações e ao ingresso nas melhores universidades, inclusive podendo ser treinados para os exames vestibulares.

1.2 O tecnicismo como contraponto à formação humana

O tecnicismo como concepção educacional é um produto histórico, decorrente da expansão das atividades industriais e da necessidade de subordinação dos objetivos educacionais aos objetivos da produção. A submissão da educação aos parâmetros e às necessidades da Revolução Industrial implicou, principalmente, nos Estados Unidos, no início de século XX, em pensar a escola a luz da organização fabril. Assim, segundo (SILVA, 1999), as primeiras elaborações teóricas sobre currículo foram no sentido de estabelecer nexos práticos entre a educação escolar e a produção fabril. Conforme assinala o autor, Bobbitt publicou em 1918, nos Estados Unidos, The Curriculum, cujas ideias foram consolidadas por (TYLER, 1974), obra que exerceu grande influência, inclusive no Brasil. O trabalho de Bobbitt tornar-se-ia um marco no surgimento dos estudos e das teorias de currículo. Na visão de Bobbitt a escola deveria organizar seus objetivos e estabelecer métodos para medir os resultados, como nas empresas. A eficiência do ensino está vinculada ao aprendizado das habilidades necessárias ao trabalho no sistema fabril. Portanto, as crianças deveriam ser treinadas para adquirir essas habilidades exigidas ao exercício das ocupações profissionais na vida adulta. Segundo (BOOM, 1997), Bobbitt considerava a educação não como preparação para vinte anos de infância ou da adolescência, mas a instrumentalização para cinquenta anos de vida adulta.

A procedência do conceito de currículo, ainda dominante em nossas escolas, é pouco conhecida. A sua associação com a organização fabril clássica é encoberta, pouco explicitada, tornando obscura a sua origem. É preciso ficar expresso que o parâmetro organizacional da escola é a organização científica do trabalho, o “menagement”, os processos de “training”, de origem anglo-saxônica, desenvolvida desde o início do século passado nas fábricas, no exército, com o propósito de super aproveitamento da energia humana na produção da eficácia, da rentabilidade, do controle social, da padronização e do controle dos grupos humanos.

Nesta perspectiva, institui-se a escola seriada cuja estrutura reproduz a organização do trabalho fabril baseado nos princípios da teoria administrativa taylorista-fordista [1]. A organização da escola, tal como conhecemos e convivemos, imita e reproduz de forma acrítica os padrões de organização da produção e do trabalho do modelo taylorista-fordista.

Organizada a partir deste paradigma, a instituição escolar reproduz no seu cotidiano um trabalho fragmentado, disciplinar, com tempos pré-estabelecidos em que cada um desempenha suas tarefas isoladamente. As “comunicações” são verticalizadas, reproduzindo-se em procedimentos e comportamentos ritualizados e automatizados. As práticas repetitivas e sem significados atrofiam a criatividade e colocam educadores e educandos em uma camisa de força face ao dilema adaptação ou exclusão. Desta forma, educadores e educandos são submetidos a uma maratona em que tudo tem que acontecer em determinados dias letivos, como na esteira fabril, produzindo em série, trabalhando com conteúdos isolados, “conhecimentos” fragmentados, formando uma visão parcial, unilateral do mundo, impedindo o conhecimento e a percepção das relações, dos princípios que permitem a visão universal e globalizadora da realidade como totalidade.

A partir desta matriz conceitual desenvolveu-se o modelo de escola que caracteriza os sistemas educacionais no Brasil. No entanto, no Brasil o tecnicismo fusionou-se com elementos humanistas, constituindo, contraditoriamente um núcleo humanista que deu sentido à escola pública tradicional brasileira. Esse quadro é impactado e desestabilizado pela modernização imposta pela hegemonia de mercado. Como resultado, gesta-se dois movimentos novos na educação. (AZEVEDO, 2007). A escola tradicional, lato sensu humanista, metamorfoseia-se em duas direções, passando por um processo de reconversão cultural. Os dois sentidos desenvolvem-se em posições opostas e contraditórias. No primeiro, a escola adapta-se aos princípios e valores da economia de mercado, formando cidadãos clientes, produtores e consumidores, identificados com a ideologia de mercado. É a transformação da escola em uma instituição educadora da cultura de mercado: a mercoescola. Nesta perspectiva todas as dimensões da vida podem ser reduzidas a mercadorias. No segundo, experenciado por algumas administrações populares locais, sem negar o mercado, mas não subordinando a formação humana à sua lógica, desenvolve-se um movimento que tem a pretensão de resgatar os princípios humanistas, ressignificá-los face ao contexto da globalização, construindo um núcleo formado por conceitos e valores identificados com a humanização de homens e mulheres, com uma ordem moral, ética e política comprometida com os ideais emancipatórios: a escola democrática e inclusiva, comprometida com uma formação humana emancipadora.

2 O contexto sociocultural e os ciclos de formação

2.1 Os ciclos de formação e as fontes do conhecimento e do currículo

As experiências de governos populares criaram fortes referências de organização do ensino tendo como parâmetro a formação humana e a inclusão com aprendizagem. A educação compreendida como formação humana, vinculada a uma concepção do conhecimento entendido como um processo contínuo de desvelamento do real, portanto em permanente mudança, remete necessariamente para o desafio de repensar a estrutura da escola, seus tempos e espaços, e de rever a organização do ensino e do trabalho pedagógico para a garantia da realização das aprendizagens. Reconhecer que a inteligência não é inata, mas desenvolvida a partir das experiências sociais vividas pelo indivíduo, que o conhecimento não está pronto e acabado, mas é sempre o novo construído e reconstruído, pressupõem determinadas posturas frente ao mundo, à sociedade e ao sentido do ensinar e do aprender. Isto coloca a necessidade do educador lidar com as teorias do conhecimento, ter clareza de qual caminho está percorrendo, de qual é o seu ponto de partida e onde pretende chegar, ou seja, que tipo de homens e mulheres quer formar e que sociedade quer construir. Portanto, faz-se necessário uma formação que possibilite aos educadores a apropriação consciente, crítica, de uma teoria do conhecimento, de um caminho epistemológico que oriente o fazer pedagógico na direção da emancipação humana, proporcionando o acesso à aprendizagem como um direito a ser garantido a todos os educandos.

A partir destas caracterizações decorre uma nova possibilidade de organização da escola: o ensino organizado em Ciclos de Formação. É importante reafirmar que a organização em Ciclos de Formação não é apenas uma nova estrutura, uma nova forma de organização do ensino, mas, além disso, exige uma nova atitude frente ao conhecimento, à sociedade e ao sujeito aprendiz. Ao examinar o ensino por ciclos como alternativa à seriação (FREITAS, 2003) considera que há o confronto de lógicas: seriação versus ciclos de formação. A lógica da reprodução (seriação) e a lógica emancipadora (ciclos de formação).

Uma prática coerente de formação humana implica também em uma relação democrática da escola com sua comunidade. Se educar tem relação com os saberes e fazeres do contexto cultural do educando a escola tem que ter mecanismos de participação que possibilitem as trocas e as alianças entre as funções do ensino sistematizado da escola e os saberes do contexto social. Um ensino “da realidade” exige o conhecimento da realidade e para que a realidade comunitária possa ser conhecida são necessários espaços de expressão e participação dentro da escola.

Nesta compreensão, ciclos de formação não prescindem do trabalho coletivo e da democracia como método. E democratizar a escola não é apenas democratizar a gestão elegendo os diretores e os conselhos, embora isto seja muito importante. (AZEVEDO, 2005). Por outro lado, a democratização da escola não se realiza sem a democratização do acesso ao conhecimento e sem a realização da aprendizagem de todos os sujeitos aprendizes. Portanto, a democracia na escola tem um sentido pedagógico, pois é um mecanismo de viabilização do acesso ao conhecimento, mas também é aprendizado da cidadania, da democracia, da convivência social e coletiva, tendo como fim último a garantia da aprendizagem para todos.

O método democrático não trabalha com conteúdos sem significados, definidos apriori, com uma lista de conteúdos aleatória, sem nexos com a realidade social. Trata-se de identificar os conhecimentos pré-existentes no contexto social e individual do educando. Conhecimentos produzidos no cotidiano da experiência comunitária. O que (GRAMSCI, 2001) caracteriza como senso comum, cujo núcleo racional, o bom senso pode servir de base para construção do conhecimento científico. (SANTOS, 2001) afirma a importância do senso comum como conhecimento prático da vida, orientador do nosso cotidiano. Considera que esse conhecimento pode ser conservador e gerar prepotências, mas interpretado e considerado pelo conhecimento científico pode dar origem a novos conhecimentos. (FREIRE, 1996) segue linha semelhante ao afirmar o ensino como processo de superação do pensamento não rigoroso para a rigorosidade exigida pela produção do conhecimento científico.

Por isso, uma educação formativa e democrática preocupa-se em buscar referências para organizar o currículo a partir das fontes que identificam o conteúdo formativo com o sujeito educando: fonte filosófica; socioantropológica; epistemológica; sociopsicopedagógica. Fontes que podem contribuir para a organização de um currículo para a formação humana, a partir do contexto real vivido pelos educandos e educandas.

A fonte filosófica diz respeito às nossas reflexões sobre que sociedade desejamos construir. Que valores importam resgatar e afirmar frente às profundas transformações econômicas e culturais do nosso tempo? Responder a essa pergunta é fundamental. Também diz respeito ao compromisso com a aprendizagem de todos sem exclusão, com o repensar e a reorganização por inteiro da escola, revendo seus tempos e espaços para que estes sirvam aos estudantes e não se sirvam deles.

A fonte socioantropológica nos leva a buscar conhecer mais profundamente o universo do nosso educandos educandas, para além da realidade física, reconhecendo seu imaginário, seu modo de viver a vida, as condições sociais objetivas em que vivem. Trata-se, portanto, de dar significância ao ensino, articulando a construção do conhecimento às experiências de vida do educando e da educanda: o trabalho precoce, a vida na rua, a luta pela sobrevivência junto à família ou longe dela, as questões de gênero e etnia. Tudo isso deve ser levado em consideração na construção do currículo da escola que se pretende comprometida com a formação humana. Afirma a necessidade de que o conhecimento escolar seja organizado, levando em conta a cultura local, a linguagem, a forma de expressão, os mitos e ritos presentes na comunidade, o que dará sentido ao conhecimento formal sistematizado que a escola trabalhará.

A fonte epistemológica articula conhecimentos produzidos pela humanidade em todos os campos. Propõe o trabalho com o conhecimento escolar aproximando as diferentes áreas em torno de situações problemas presentes nos objetos de estudo que integram fenômenos reais da comunidade. É a fonte que desafia as e os educadores ao trabalho interdisciplinar. Não se trata, portanto, de retomar a velha lista de conteúdos, disciplina por disciplina, série a série, a cada bimestre ou trimestre. O conhecimento pretendido é aquele que contribui para desvelar os segredos do mundo, do nosso mundo, da realidade que nos cerca e na qual intervimos. (BACHELARD, 1996).

A fonte sociopsicopedagógica nos alerta para os processos de construção da inteligência da criança, do adolescente e dos adultos. Trata-se de investigar quem é esse sujeito criança, pré-adolescente, adolescente ou adulto que a escola tem que ensinar. Quais são seus contextos de desenvolvimento biológico e social, que ensino deve ser organizado para esse sujeito concreto e como superar as leituras homogeneizadoras que ignoram as especificidades do desenvolvimento humano.

2.2 A investigação socioantropológica e o complexo temático

Dois mecanismos são essenciais para capturar as questões concretas das comunidades com vistas a integrá-las no currículo: a investigação socioantropológica e o complexo temático [2].

A investigação socioantropológica organiza as atividades escolares a partir de dados obtidos por um levantamento socioantropológico realizado nas comunidades escolares por professores, e, em alguns casos, com a participação de funcionários, alunos e até pais e mães. Partindo da verificação do senso comum, como indica Brandão:

[...] são todas as dimensões de uma determinada comunidade inclusive seus sonhos, aspirações e projetos que constituem o discurso a ser revelado e decodificado. O que nos interessa, sobretudo, é fazer emergir as contradições e incoerências entre o falar e o agir, entre as percepções da realidade e de si e as pautas de comportamento cotidiano, entre o sonho e a realidade, entre o real e o possível.

(BRANDÃO, 2002, p. 11).

Trabalhar a partir das experiências vividas pelas comunidades apresenta um desafio metodológico de difícil enfrentamento pela escola e seus atores. Sem dúvida, é preciso uma abertura da instituição que vai muito além da abertura física, como a que viabiliza o espaço da escola para prática de esportes, festas e outras atividades comuns a essas relações. É necessária a demolição dos “muros culturais” que separam a escola e a comunidade. A proposta pedagógica, ela própria, tem que se tornar senso comum, pelo menos nos seu enunciado e princípios gerais.

A investigação trabalha com as falas das pessoas da comunidade, busca elementos da sua história – do circuito religioso e cultural, hábitos de lazer, suas lutas, vitórias e frustrações – além das características do seu senso comum. A sistematização deste levantamento é discutida com a comunidade e o ensino é organizado nas diversas áreas do conhecimento, tendo como foco as falas e os fenômenos mais significativos para os atores sociais envolvidos. A investigação socioantropológica é, portanto, uma ação metodológica que integra a lógica interna da visão epistêmica, a qual não prescinde do senso comum para a construção do conhecimento, pressupondo uma concepção de realidade referenciada na filosofia da práxis. Partindo desse entendimento, Rocha faz a seguinte consideração:

A partir da concepção dialética podemos afirmar que a prática social, com todas as suas facetas, é a fonte de conhecimentos. Esta prática social não é uma realidade homogênea, nem estática, mas perpassada por contradições (inclusive as de classe) onde se articulam as ações do presente com a herança do passado.

(ROCHA, 1996, p. 57).

Nessa compreensão, a investigação socioantropológica não é a organização do ensino no seu absoluto, e, tampouco é o resultado acabado que mecanicamente se transforma em ação pedagógica. Os seus resultados transformam-se na reflexão-ação dos sujeitos, são submetidos à crítica na dinâmica das ações produzidas.

O complexo temático é a ferramenta para organizar o ensino a partir dos elementos levantados na investigação socioantropológica. A síntese da participação e a construção do conhecimento nos Ciclos de Formação, podendo se realizar por meio dos seus desdobramentos no cotidiano dos espaços escolares. O complexo temático propõe uma captação da totalidade e das dimensões significativas de determinados fenômenos extraídos da realidade e da prática social.

Trata-se de levar o processo de participação à atividade essencial da escola, ou seja, a organização do ensino para construção do conhecimento. É práxis concreta de uma epistemologia que pressupõe o trabalho coletivo, a organização do ensino que não cria artificialmente uma realidade, mas molha-se em suas águas para encharcar-se da sua cultura, para conhecer vivendo e viver conhecendo. Um ensino cujo conteúdo, sem romper com seus vínculos universais, sem deixar de ser rigoroso, científico, não se coloca a priori, como conhecimento dado, mas como uma mediação para o desvelamento do real pelos sujeitos atores do processo. Como bem sintetizam Gorodicht e Souza:

[...] o Complexo Temático caracteriza-se por fazer-se produção coletiva, respeitadas as especificidades locais e regionais, por ser significativo para toda uma comunidade, por apontar situações-problema para seus atores, por propor-se gerador de ação, por ajudar o aluno a compreender a realidade atual, por respeitar os sujeitos que na escola e na sociedade interagem e por ser representativo de uma dada leitura do real.

(GORODITCH; SOUZA, 1999, p. 81).

Na sua concepção prática e teórica de organização do ensino, (PISTRAK, 1981), considera que o objetivo da escola é a compreensão crítica e dialética da realidade, na qual os temas e fenômenos estudados estão articulados entre si e com a realidade macrossocial e universal. Tal ensino permitiria aos educandos não só a apreensão do real, mas também a intervenção consciente no mundo social e cultural do contexto da sociedade a que pertencem. Ou seja, o ensino por complexo permite fazer a ligação efetiva entre a atividade intelectual na escola, a prática social e a auto-organização fora da escola. A ênfase se dará naquelas partes das disciplinas que forem significativas para a finalidade da escola, unindo as disciplinas para conhecer os objetos e fenômenos em suas relações recíprocas, tanto quanto à sua natureza e diferenças como em relação às suas diferentes compreensões e seus processos de transformação.

As quatro fontes diretrizes do currículo, presentes na investigação socioantropológica realizada na comunidade, referenciam a escolha de questões-problema a serem trabalhadas, na eleição do foco do complexo, nos conceitos que comporão o campo conceitual e na organização de atividades para cada ciclo. Do conjunto dos elementos levantados pela pesquisa socioantropológica, são relacionadas as falas mais significativas. Formulam-se questões, hipóteses, escolhe-se um fenômeno cujas dimensões socioculturais melhor expressam as totalidades e os significados das questões captadas na realidade social da comunidade. Segundo Rocha,

“[...] o complexo temático provoca a percepção e a compreensão da realidade, explícita a visão de mundo em que se encontram todos os envolvidos em torno de um objeto de estudo e evidencia as relações existentes entre o saber e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática”

(ROCHA, 1996, p. 2).

Ao mesmo tempo, são identificados os conceitos que estão contidos nos fenômenos e nas falas. As relações entre conceitos e fenômenos possibilitam a construção de uma visão geral do contexto. O complexo temático pressupõe, também, uma visão de totalidade da abrangência dessa totalidade, através do foco particular de cada área do conhecimento, o que possibilita romper com o conhecimento fragmentado.

As ações concretas, propositivas de trabalho coletivo, preparam a integração necessária para encaminhar o trabalho interdisciplinar na organização de ensino por ciclos de formação. A forma tradicional do trabalho escolar cindiu o saber, fragmentou a visão da realidade, segmentou a percepção da natureza, contribuindo para fortalecer a não compreensão da totalidade, favorecendo os processos de desumanização, de manipulação da ciência como produtora de uma sofisticação tecnológica, que cada vez mais oculta a apropriação da inteligência humana em forma de trabalho alienado. O trabalho interdisciplinar resgata a visão de totalidade e é uma possibilidade de produção de uma cultura escolar renovada.

3 Aprender nos ciclos da vida

3.1 Os espaços e os tempos no ciclo de formação

A partir da caracterização do que é o conhecimento numa concepção de formação humana, de onde vêm suas fontes, como deve ser organizado o ensino, como deve ser organizado o trabalho dos educadores, percebe-se a incapacidade e a insuficiência da organização seriada para dar conta de uma educação humanizadora e de qualidade. Não basta, portanto, uma mudança metodológica, ainda que alicerçada em bases sólidas; não basta fazer a crítica aos conteúdos muitas vezes vazios que enchem os livros didáticos; não basta, ainda, a vontade política, a opção pela educação humanizadora. A escola para formação humana é, de fato, outra escola, reinventada. No seu objetivo, busca ser livre das grades curriculares engessadas, livre da ditadura do livro didático, da avaliação classificatória e livre da exclusão pela não aprendizagem.

A Escola por Ciclos de Formação é a tentativa de traduzir na organização escolar, os ciclos da vida [3]. Diferente da seriação, na qual o educando tem que adaptar-se a uma estrutura pré-existente a estrutura em ciclos de formação procura adaptar-se aos ciclos da vida, às fases do desenvolvimento humano. É a escola redesenhada, com espaços e tempos que buscam responder ao desenvolvimento dos educandos. As crianças e os adolescentes são seres em permanente desenvolvimento que não podem ser regrados pelo calendário escolar ou pelo ano letivo. O tempo de aprendizagem do educando não pode ser submetido à camisa de força do tempo do ano letivo ou do ano civil. A escola por ciclos de formação vê a aprendizagem como um processo, no qual não há, necessariamente, períodos ou etapas preparatórias para aprendizagens posteriores, mas um permanente desenvolvimento. Daí o critério da enturmação por idade.

Entretanto seria simplista e ilusório acreditar que as crianças e adolescentes aprendem pelo simples fato da distribuição em turmas por idade. Mas, o fundamental é que a escola e os educadores sejam capazes de produzir intervenções pedagógicas a partir do diagnóstico do desenvolvimento de cada aluno, estimulando os elementos sensíveis das características etárias com atividades que proporcionem experiências de aprendizagens concretas. Portanto, a existência em um mesmo grupo de educandos, com níveis de conhecimentos diferenciados, pode contribuir para dinamizar a aprendizagem, desde que haja a potencialização pedagógica. Sobre essas possibilidades, afirma Vygotsky:

A aprendizagem se apóia em processos imaturos, porém em via de maturação e, como toda a esfera deste processo está incluída na zona de desenvolvimento proximal, os prazos ótimos de aprendizagem, tanto para o conjunto das crianças como para cada um deles, determinam-se em cada idade pela zona de desenvolvimento proximal.

(VYGOTSKY, 1996, p. 271).

O professor Bernd Fichtner [4] analisa no pensamento de Vygotsky a caracterização do que são funções psíquicas elementares e superiores. As elementares são os reflexos, associações simples, reações automáticas, processos imediatos e instantâneos de percepção. As funções superiores são aquelas que identificam o funcionamento psicológico essencialmente humano. As funções superiores são de natureza cultural, mas a construção dessas funções no plano individual não é uma mera transposição do que ocorre no plano social, na medida em que se opera uma transformação qualitativa destas durante o processo de interiorização. Estas funções são mediadas por instrumentos e signos que são de caráter cultural e histórico, que marcam as relações interpessoais dos seres humanos. Portanto, todas as estruturas das funções superiores são mediadas por signos que funcionam como instrumentos psicológicos. Segundo Fichtner, o conceito de mediação é central na abordagem de Vygotsky:

[...] a mediação por instrumentos e signos não é apenas uma idéia psicológica, mas uma idéia que quebra todos os muros cartesianos, que estão separando o que é a consciência individual da cultura e da sociedade [...] Vigotski quebra com a perspectiva tradicional, que os homens são controlados de fora, quer dizer, pela sociedade, ou que os homens são controlados de dentro, quer dizer, pela sua herança biológica.

(FICHTNER, 1997, p. 48).

Dessa forma, a escola por ciclos de formação, ao enturmar os educandos por idade e não por nível de conhecimento – como faz a escola tradicional –, oportuniza interações e trocas a partir de elementos de identidade contidos nas idades próximas e com diferentes níveis de desenvolvimento proximal, incidindo no processo de aprendizagem de todos. Ou seja, a zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1996), que se configura como um potencial de aprendizagem que pode ser desenvolvido interativamente realiza-se com mais intensidade em grupos com identidade etária.. Ainda sobre a idade, afirma Snyders: “A cada idade corresponde uma forma de vida que tem valor, equilíbrio, coerência, que merece ser respeitada e levada a sério; a cada idade correspondem problemas e conflitos reais” (SNYDERS, 1993, p. 29).

Outra contribuição teórica importante à organização dos ciclos de formação é a de Henry Wallon [5], para quem é essencial para a escola reconhecer as mudanças objetivas no comportamento da criança nas suas diferentes idades e em situações diferenciadas e as consequentes necessidades daí decorrentes. Este reconhecimento se concretiza quando a escola respeita e diagnostica o comportamento dominante em cada etapa do desenvolvimento, estimulando o processo de integração de comportamentos, o que é uma necessidade inerente ao processo de construção da personalidade em cada fase. Cabe à escola, como instituição educadora, cumprir a função de prover os meios e realizar as mediações e atividades necessárias para realização da formação das crianças e dos adolescentes. Quando isso não é observado pela ação pedagógica da escola, quando as tarefas escolares contradizem as circunstâncias psicossociais em que vivem objetivamente a criança, característica de seu universo transitório, o ato educativo acaba empobrecido e desconstituído de sentido.

Para responder a essas questões, o ensino pode ser organizado em três ciclos de três anos cada, dos seis aos quatorze anos. Os três ciclos correspondem à infância, à pré-adolescência e à adolescência. Esse agrupamento, das crianças e adolescentes na escola, fundamenta-se na relação desenvolvimento e aprendizagem, numa perspectiva em que o desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes dá-se, tanto por processos biológico-cognitivos, quanto por interações sociais. Dessa forma, torna-se importante aprofundar sobre como o ambiente sociocognitivo ao qual as crianças são regularmente expostas, pode influenciar o desenvolvimento, pois, desenvolvimento e aprendizagem são dois processos que interagem, afetando-se mutuamente [6]. Essa visão de construção do conhecimento, de desenvolvimento do sujeito e das suas funções mentais, informa a estrutura curricular e a organização do ensino nos ciclos de formação. Dessa forma, as atividades pedagógicas e a enturmação dos estudantes estão acompanhadas de uma concepção de currículo que, obviamente, indica a relação ambiente, cultura, conhecimento. Nessa proposta educativa, educadores necessariamente planejam e executam o trabalho coletivamente. Cada ciclo deve ter o seu coletivo de educadores que, dentro dos espaços institucionais previstos, realizam o trabalho com os educandos, estabelecendo um processo permanente de relações com os pais e a comunidade em geral.

Novos espaços devem ser criados para garantir o tempo de aprendizagem para todos. Serão aqui tomados como referência, como exemplos de possibilidades, alguns espaços importantes experimentados na Rede Municipal de Porto Alegre, como: as turmas de progressão para educandos que, no momento da implementação da estrutura escolar por ciclos de formação, apresentam defasagem idade/aprendizagem [7]. Estes alunos, respeitados no seu desenvolvimento, nas suas experiências de vida e, a partir do seu contexto biológico e cultural, são estimulados e desafiados com estratégias pedagógicas que ampliam as suas aprendizagens. Os educandos que formam as turmas, nas quais, há a correspondência idade/aprendizagem, quando apresentam dificuldades não superadas pelo coletivo de professores do ciclo, são encaminhados ao Laboratório de Aprendizagem [8]. Caso sejam diagnosticadas situações nas quais haja a necessidade de avaliação e atendimento especial, individualizado, o educando é encaminhado à Sala de Integração e Recursos [9], na qual o acompanhamento é proposto por educadores especiais e, ainda se necessário, por outros atendimentos especializados. Outra contribuição para a extensão dos espaços educativos e dos tempos de intervenção pedagógica por aluno foi a construção da figura do professor itinerante [10]: um recurso humano a mais a cada três ou quatro turmas para fortalecer o coletivo e ampliar as possibilidades de planejamento e de intervenções em grupo dos professores.

Os novos espaços e tempos pressupõem a organização coletiva do trabalho. Ao professor não cabe mais o trabalho isolado. É fundamental a instituição de espaços de planejamento coletivo, organizando ações pedagógicas em grupos para intervir no processo de construção do conhecimento. Mais de um educador pode trabalhar em uma turma ao mesmo tempo, na mesma sala de aula. Os agrupamentos de educandos podem ser flexíveis de acordo com as atividades planejadas pelos coletivos de educadores e com as necessidades de aprendizagem dos educandos. A flexibilidade dos tempos e espaços pode corresponder ainda a um movimento constante de reagrupamento, rompendo com a rigidez das classes tradicionais. Em uma perspectiva dialética do conhecimento, a ação educativa considera a prática social como fonte do conhecimento. Por isso, a escola de ciclos de formação não é uma escola para a vida, mas é uma escola na vida. Não é uma escola para o futuro, mas uma escola para hoje e por isso, conectada ao devir, ao processo de humanização, havendo a preocupação concreta com o respeito às condições específicas das crianças e adolescentes, assegurando-lhes o direito ao conhecimento como crianças e adolescentes que construam, sobretudo, a aprendizagem da autonomia e da cidadania dentro de princípios solidários e de cooperação no cotidiano da convivência social.

Conclusão

O debate sobre a qualidade do ensino vem sendo cada vez mais intenso, extrapolando os meios educacionais, ocupando os canais midiáticos e construindo um senso comum que nem sempre contribui para elucidar os problemas que afetam o quadro real da educação. A realidade da educação é quase sempre apresentada através de seus sintomas aparentes sem que as questões essenciais sejam tocadas. As referências sobre uma boa ou má educação, sobre a qualidade do ensino são tomadas a partir de velhos conceitos, pertinentes a realidades históricas já ultrapassadas. Assim, qualidade é confundida com quantidade, com capacidade de repetição, com domínios externos e mecânicos de informação. Para tal, lança-se mão de instrumentos de avaliações quantitativos, que mensuram produtos, ignorando-se os processos, estabelecendo raking e comparações entre realidades distintas. Assim, são comparados países avançados que diminuíram drasticamente as desigualdades sociais e que realizam historicamente grandes investimentos em educação com a situação vivida por países como o Brasil que acumulam um grande atraso histórico na questão social e educacional.

A realidade da educação brasileira coloca hoje questões desafiadoras. Estamos atingindo a universalização do Ensino Fundamental e um avanço significativo no acesso à Educação Básica. A massificação da educação trás para dentro da escola os contingentes sociais empobrecidos e historicamente excluídos. Isto significa que mudou o perfil da população escolar. Contraditoriamente, a escola continua atuando com os pressupostos pedagógicos da escola pensada para os segmentos médios e para as elites. Com esse funcionamento a instituição escolar tem se constituído em espaço de trânsito das desigualdades e da exclusão pela não aprendizagem. As concepções mecanicistas e positivistas do conhecimento, cujos desdobramentos pedagógicos é o repasse de conteúdos aparece hoje nas visões produtivistas da educação, com os métodos de avaliação de produtos que ignoram a formação integral e a diversidade cultural do sujeito aprendiz. Estas práticas e concepções não respondem às necessidades de aprendizagem das classes populares e reforçam os mecanismos de exclusão via escola.

Algumas questões necessitam serem reforçadas para a discussão da qualidade do ensino. Entre elas destacamos as que seguem: Por que as dificuldades de repensar a escola para além da organização do trabalho segundo o modelo taylorista–fordista? Por que as políticas públicas e as concepções sobre a Educação Básica continuam a utilizar parâmetros que não dialogam com a mudança de perfil social da população escolar? Por que a ideia de escola continua atrelada a visão de repasse de conhecimento pronto e acabado? Por que apesar de todo avanço teórico da ciência da educação, da revolução nas comunicações, das transformações na organização do trabalho e na produção o conhecimento escolar continua aprisionado pela repetição, pela fragmentação, pelos tempos pré-determinados, pelo trabalho individual e pelas avaliações pontuais e quantitativas? Por que a educação escolar não consegue transpor a sua organização e suas práticas na direção de um ensino que trabalhe o conhecimento como processo de construção permanente em diálogo com a diversidade cultural e social do sujeito aprendiz? E, finalmente, por que a resistência em repensar a estrutura da escola, compatibilizando seus tempos e seus espaços com a revolução tecnológica, com a concepção de conhecimento em construção e superação permanente e com a entrada das classes populares com todos os seus componentes culturais e sociais?

Pensar uma educação integral voltada à formação humana significa certamente repensar os ritos formais que tornam a escola um local de repetição, inibidor da criatividade, calcada numa meritocracia que coage os excluídos a se identificar com o próprio fracasso. O desafio deste tempo é uma escola pertinente com o ser humano interferidor, onde a experiência cognitiva se constitua na ação de verificação e reconstrução da condição de existência do sujeito aprendiz.


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[1] Em Princípios da administração científica, Taylor, 1957, desenvolveu a teoria de organização do trabalho que Henry Ford operacionalizou, transformando em prática nas suas indústrias de automóveis no início do século XX. O taylorismo-fordismo passaria então a orientar a produção em série no sistema industrial. Nos últimos tempos a organização do trabalho tem se modificado em função do processo de inovação tecnológica. O trabalho rígido onde o trabalhador aprende um ofício para toda a vida é modificado pelo trabalho flexível onde o trabalhador é desafiado a novos aprendizados profissionais a cada onda de inovação tecnológica. Ver Kuenzer, 2007.

[2] Trata-se de experiência concreta realizada por escolas da Rede Pública Municipal de Porto Alegre. A investigação socioantropológica é uma entrevista que os professores fazem na comunidade do entorno da escola. Nesta visita os professores organizam um roteiro de conversas com as famílias procurando registrar as falas que expressam questões concretas que envolvem a comunidade. A sua história, suas lutas, seus ritos, seus mitos, o circuito de lazer, o tipo de convivência, seu imaginário, enfim seus problemas mais significativos. Em seguida o material apontado é discutido e sistematizado no chamado complexo temático. O complexo temático é constituído por um núcleo formado pelo fenômeno mais frequente nas falas da comunidade. Em torno do fenômeno principal são colocadas as falas mais significativas e em torno das falas os conceitos a elas relacionados. Construído o complexo as diferentes áreas do conhecimento organizam o programa de ensino a partir do fenômeno e das falas, trabalhando os respectivos conteúdos relacionados com os conceitos e com o fenômeno do complexo. Esta prática estimula o trabalho coletivo, a interdisciplinaridade e possibilita que as questões concretas da comunidade apareçam na linguagem e no conteúdo escolar conferindo significados aos processos de aprendizagem.

[3] As principais referências teóricas que podem ser utilizadas para compreender a relação entre as teorias de desenvolvimento humano com as práticas pedagógicas e a lógica dos ciclos da vida são as teorias da aprendizagem desenvolvidas por J. Piaget, H. Wallon e L. S. Vygotsky. Ver: REGO (1998), GALVÃO (1998), LA TAILLE et al(1992).

[4] Ver entrevista do professor Bernd Fichtner concedida a Maria da Graça Schimit e publicada na Revista da SMED Paixão de Aprender(FICHTNER, 1997). Ver, ainda, VYGOTSKY (1984).

[5] Sobre relação idade e aprendizagem, a necessidade de uma escola flexível que responda às diferentes fases do desenvolvimento biológico e psicossocial da criança, ver GALVÃO (1998).

[6] Sobre os processos cognitivos da criança, a relação com o meio social e o desenvolvimento das funções mentais, ver REGO (1998).

[7] A passagem do educando pela turma de progressão deve perdurar apenas o tempo necessário para a realização das aprendizagens necessárias à sua integração no ano ciclo correspondente à sua idade. Os professores das turmas de progressão têm uma formação específica para as exigências de intervenção pedagógica que garantam o acesso ao conhecimento desses educandos. Ver: DIDONET; ROCHA (Orgs.) (1999) e DIDONET; MARTINS et al(Orgs.) (1999).

[8] O Laboratório de Aprendizagem é o espaço de investigação sobre o processo de construção do conhecimento do aluno investigado. São encaminhados ao laboratório os alunos que não aprendem com as estratégias pedagógicas e didáticas utilizadas pelo coletivo de professores do ciclo. Após investigar os processos e comportamentos de aprendizagem do aluno, os professores do laboratório sugerem aos professores do coletivo do ciclo estratégias novas apontadas pela pesquisa. Ao mesmo tempo em que é investigado, o aluno aprende mais sobre o seu próprio potencial. O laboratório, portanto, não é um espaço de recuperação, e os professores recebem formação específica para atuar neste espaço. Ver o texto de Maristela Costa e Marlene Ávila Machado, Laboratório de aprendizagem: investigar, compreender e desenvolver a aprendizagem in Cadernos Pedagógicos n.12, SMED, 1998.

[9] A sala de integração e recursos é composta pelo educador especial, pelo psicopedagogo, com assessoria da equipe de psicólogos da Secretaria. Estes profissionais especializados atuam integrados com os órgãos municipais de saúde e serviços sociais. As salas de integração e recursos não existem em todas as escolas. Cada grupo de escolas é atendido por uma sala de integração e recursos situada numa escola da região.

[10] O professor itinerante é previsto no quadro de pessoal das escolas, regrado pelos regimentos escolares, que estabelecem para cada três turmas um professor a mais para facilitar o funcionamento do coletivo, possibilitando a existência de reuniões pedagógicas sem interrupção ao atendimento dos alunos. Ou a organização de atividades em que os alunos de várias turmas ou de uma turma são redistribuídos, conforme o planejamento coletivo do trabalho. É importante reafirmar que no ensino por ciclos de formação as turmas são apenas uma referência, pois deve haver um intenso trabalho que implica dissolução das turmas do mesmo ano ciclo em grupos organizados para determinadas atividades pedagógicas. O professor itinerante é também chamado nas escolas de professor volante. Sobre professor itinerante, ver o texto de Dalila Frota, O professor volante no ciclo: lugar em construção (DIDONET, 1999).


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