Transdisciplinaridade e educação
Maria Cândida Moraes
UCB/DF/Brasil
Resumo: Estamos todos envolvidos em uma crise profunda e generalizada de natureza ecossistêmica, uma crise paradigmática, que vem afetando todas as nossas relações com a vida, incluindo a escola. Isto requer por parte dos educadores um quadro teórico mais amplo, fundamentado na transdisciplinaridade nutrida pela complexidade, para que possamos encontrar soluções compatíveis com a natureza complexa da problemática atual. Neste sentido, e para dar conta da nossa missão educadora, recomenda-se que avancemos pelos caminhos da ciência e façamos a abertura de nossas gaiolas epistemológicas, pois é preciso clareza ontológica e epistemológica para melhor compreender como a realidade se manifesta e como se realizam os processos de construção do conhecimento e a aprendizagem. A autora afirma que o pensamento transdisciplinar conecta ontologia, epistemologia e metodologia, trazendo consigo novas bases para renovação filosófica e educacional ao priorizar as relações, as interações, as emergências, as redes e seus processos auto-eco-organizadores, dialógicos, recursivos e emergentes. Tais bases teóricas nos informam que em vez de se usar a lógica binária excludente, temos que trabalhar a partir de uma lógica ternária que une o que está aparentemente desunido, bem como a partir do reconhecimento dos níveis de realidade existentes e da complexidade presente na tessitura da vida. Destaca ainda que a transdisciplinaridade, como principio epistemológico, implica atitude de abertura para com a vida e todos os seus processos, atitude que nos ajuda a superar as barreiras disciplinares na tentativa de compreender melhor o que está além dos limites e das fronteiras estabelecidas. Um princípio que requer que o pensamento vá além dos aspectos cognitivos baseados no desenvolvimento de competências e habilidades, para que o processo possa verdadeiramente ecoar na subjetividade humana. Destaca ainda que a transdisciplinaridade não combina como pensamento único e com práticas pedagógicas instrucionistas, pois valoriza o pensamento relacional, articulado, crítico, criativo, auto-eco-organizador e emergente.
Dialogando com a realidade
Quais são os problemas mais urgentes e as necessidades educacionais mais prementes de nosso contexto atual? Apesar do grande desenvolvimento científico e tecnológico, por que a civilização ocidental continua tão insensível ao subdesenvolvimento humano? Por que continuamos permitindo a expansão da geografia da fome, a explosão da pobreza e a falta de moradia e de condições mínimas de trabalho? Por que o desenvolvimento material de nossa civilização continua provocando tanta degradação meio-ambiental de natureza ecossistêmica? Por que somos cada vez mais individualistas e menos solidários? Por que queremos ter sempre respostas prontas e imediatas, se há muito perdemos o ritmo natural da vida e não temos tempo para mais nada? Por que será que não conseguimos ver as coisas a partir de outro ponto de vista, situá-las em outra perspectiva e perceber o que acontece em outros níveis de realidade?
E mais, por que continuamos usando a lógica binária excludente que não considera a existência de outras alternativas e possibilidades de materialização das coisas, separando o que é inseparável, dividindo o conhecimento e fragmentando a realidade? Por que estamos tendo que conviver com novas formas de ansiedade, de transtornos psíquicos e ataques de pânico, problemas de ordem psíquica e social sem precedentes que destroem nossas emoções e motivações, que diluem nossos desejos e afetos e nossas expectativas de vida?
Em realidade, são inúmeras as perguntas que incitam nosso espírito a dialogar com a realidade, pois estamos todos vulneráveis e o fantasma da vulnerabilidade plana sobre todos nós, provocando desequilíbrio, insegurança, medo e insatisfação, trazendo consigo a instabilidade emocional associada ao recrudescimento do individualismo, à debilidade dos vínculos, à falta de segurança, de solidariedade, de sensibilidade e sentido de vida.
Como humanidade, estamos perdendo o sentido da vida e colocando em perigo nossa própria humanidade. Por outro lado, como espécie, somos também perigosos demais.
Na verdade, estamos vivendo e convivendo, como Edgar Morin e Leonardo Boff denunciam, com uma crise antropológica sem precedente associada a uma grave crise de natureza paradigmática. O desenvolvimento científico e tecnológico não veio acompanhado de uma evolução social, ética, moral e espiritual da sociedade, pois continuamos trabalhando com uma inteligência cega que fragmenta, que disjunta e mutila, nas palavras de Edgar Morin.
Por outro lado, sabemos também que o medo, o pânico, o sofrimento, individual e coletivo, não serão exorcizados enquanto não construirmos novas ferramentas intelectuais, emocionais, atitudinais e volitivas mais eficientes e congruentes com as necessidades humanas mais prementes.
Isto porque estamos envolvidos em uma crise generalizada de natureza ecossistêmica, de natureza profunda e paradigmática, que afeta todas as nossas relações com a vida, com a sociedade, com a família e que repercute também em nossas relações com a escola, com a comunidade educacional, o que, sem sobra de dúvida, requer por parte de todos educadores um quadro teórico mais amplo para o enfretamento da problemática e encontro de soluções. Necessitamos de novos enfoques ontológicos, epistemológicos e metodológicos mais abrangentes e profundos, o que significa que necessitamos de uma inteligência da complexidade mais condizente com a atual evolução da ciência e da problemática atual, no sentido de provocar transformações mais significativas, relevantes, oportunas e necessárias.
Nossas crises, ocorrentes nos mais diferentes âmbitos e nas mais diversas proporções, são, portanto, crises de natureza complexa, global, implicando diferentes dimensões da vida, já que elas se apresentam em diversos níveis de materialidade, infiltrando-se por todos os poros e diluindo-se em todos os espaços. De certa forma, tais crises são reflexos de nossos pensamentos, ações, valores, hábitos, atitudes e estilos de vida, conseqüências da maneira equivocada com que dialogamos com a vida.
Portanto, nossos problemas são também de natureza transdisciplinar, o que, por sua vez, requer soluções equivalentes e compatíveis com sua natureza complexa. Assim, os pensamentos disciplinar e pluridisciplinar não dão conta de resolver os problemas de natureza complexa. Necessitamos de um pensamento mais elaborado, mais profundo, de natureza interdisciplinar ou transdisciplinar, de novos modos de conhecer a realidade, para dar conta dos desafios que tanto nos preocupam.
Mais do que nunca, precisamos estar despertos e conscientes sobre a importância da problemática atual, lembrando que existe uma interdependência ecossistêmica entre ser humano, ambiente e pensamento, entre ser humano e seus processos de desenvolvimento, entre sujeito e contexto, entre educador e educando, entre sujeito e objeto, entre o ser, o conhecer, o fazer e o viver/conviver. Assim, tudo que realizamos, na verdade, apresenta inúmeras conseqüências, estejamos conscientes ou não disto, em função de uma ecologia da ação que nos engloba e que, ao mesmo tempo, nos restringe. É também conseqüência da existência de um nó górdio que conecta ontologia e epistemologia, que liga o ser, o conhecer e o fazer.
Todos esses aspectos implicam mudança de consciência e a prática da humildade para que possamos compensar a entropia criada pelo ser humano nos mais diversos níveis e dimensões da realidade. Mudança de consciência para melhoria da qualidade de vida no planeta. Isto porque uma consciência complexificada é menos parcial, menos reducionista, enrijecida e enviesada. Sua maneira de operar é mais abrangente e profunda e com maior potencial transformador, já que suas ações se orientam para a melhoria da vida humana e em direção a maior convergência universal, o que facilita a visualização e a compreensão das redes de interdependência que nos unem, a construção de novas redes de solidariedade e de justiça social tão urgentes e necessárias.
Mais do que nunca, necessitamos de um pensamento ecologizado, de um pensamento ecossistêmico, de um pensamento complexo e transdisciplinar, capaz de religar, não apenas os diferentes saberes, mas também as diversas dimensões do triângulo da vida - indivíduo/sociedade e natureza, a partir de nossas práticas educacionais. Em realidade, precisamos de um pensamento transdisciplinar que nos ajude a ver o mundo num grão de areia, o céu numa flor silvestre, conter o infinito nas palmas da mão e a eternidade presente no aqui e no agora, na expressão de William Blake.
Abrindo nossas gaiolas epistemológicas
Para caminhar nesta direção, para realizar o que nos corresponde nesta vida e dar conta de nossa missão educadora, precisamos abrir as portas de nossas gaiolas epistemológicas, como nos diria nosso querido amigo Prof. Ubiratan D´Ambrósio. Esta é uma condição importante para melhor compreender como a realidade manifesta-se, como se realizam os processos de construção do conhecimento e a aprendizagem. Abrir a gaiola epistemológica que separa o sujeito do objeto, que aprisiona os nossos pensamentos, os nossos sentimentos e as nossas ações, que pensa que a transdisciplinaridade não passa de uma grande utopia e não a reconhece como princípio epistemológico que requer uma atitude de abertura e de aprofundamento em relação aos processos de construção do conhecimento e a aprendizagem. Abrir nossa gaiola para que possamos elevar nossa consciência educadora voltada não apenas para a melhoria de nossas práticas pedagógicas, mas, sobretudo, para a transformação de nossos pensamentos, de nossos hábitos, valores, atitudes e estilos de vida. Está é uma das condições necessárias não apenas para o desenvolvimento de processos cognitivos, mas também para reencontrar a paz, a saúde, a harmonia, a justiça social que sempre buscamos e para reencontrar os ideais que professamos.
Precisamos, sim, aprender a pensar a partir de outra lógica, aprender a sentir a partir do que acontece em outros níveis de realidade, aprender a dialogar com as emergências, a questionar nossas estruturas de pensamento, nossos sentimentos e emoções decorrentes. Precisamos aprender a ver além das aparências, ver um pouco mais adiante daquilo que se revela em primeira mão, aprender a resgatar a humildade e a sabedoria interior para que possamos perceber o que está imanente, o que está escondido em outro nível de realidade, o que é fundamental e necessário para que os processos possam também se auto-eco-organizar, se materializar de uma outra forma e se apresentar de uma outra maneira, sem ser preciso antecipar ou abortar qualquer processo auto-eco-reorganizador que possa se apresentar noprocesso evolutivo.
Sem esta transformação em nossa maneira de pensar, de sentir e agir, sem este cuidado, sem esta sensibilidade e o aprendizado da espera vigiada e da escuta mais sensível, ambas tão urgentes e necessárias, sem a amorosidade e a ternura habitando nossos corações, certamente não poderemos realizar aquilo que nos corresponde nesta vida, ou seja, não poderemos educar, não poderemos impregnar de sentido o cotidiano da vida, não poderemos compreender a beleza de nossa profissão educadora e nos realizarmos profissional e humanamente falando.
Assim, é necessário e urgente que avancemos pelos caminhos da ciência, pelos caminhos da Física e das novas descobertas da Biologia e percebamos rapidamente seus possíveis desdobramentos filosóficos e epistemológicos, bem como suas conseqüências políticas, sociais e culturais, condições necessárias para que possamos compreender suas implicações na educação, compreender a natureza dos fenômenos educacionais, as dimensões presentes no triângulo da vida e suas interferências em nossas práticas sociais. Ou seja, é preciso compreender melhor a natureza dos fenômenos ocorrentes, sua dimensão ontológica, reveladora do imbricamento do ser em sua realidade, do ser em seu conhecer, pois sem isto não iremos muito longe como espécie que habita este planeta, já que os processos educacionais e vitais encontram-se unidos, são elementos constitutivos de um único e mesmo processo, de uma única e mesma totalidade.
Sem clareza ontológica e epistemológica, sem a compreensão das relações lógicas interpenetrando as dimensões constitutivas da vida, seja ela de natureza física, biológica, social, política, cultural e espiritual, fica difícil trabalhar a temática que nos foi solicitada - Transdisciplinaridade e Educação. Isto porque as explicações ontológicas apresentam desdobramentos epistemológicos e trazem consigo um conjunto de procedimentos e estratégias nas quais predominam certo tipo de raciocínio, de lógica, de compreensão de mundo e visão de como a realidade se manifesta. Assim, todo e qualquer sistema de pensamento vigente afeta todas essas dimensões, bem como a pratica decorrente desta lógica aplicada, a visão política e social decorrente.
Desta forma, fica mais fácil entender que o Pensamento Transdisciplinar, nutrido pela complexidade presente nas distintas manifestações da vida, conecta ontologia, epistemologia e metodologia e não se rompe ao passar do físico ao biológico, do biológico ao social, do biológico ao antropológico e ao revelar a hipercomplexidade estrutural presente na trama constitutiva do triângulo da vida. Certamente, esta passagem não pode ser feita de modo direto, sem os devidos cuidados ou precauções teóricas necessárias, no sentido de preservar as bases constitutivas de cada disciplina.
Por outro lado, a abertura de nossas gaiolas epistemológicas requer, por sua vez, estratégias metodológicas abertas ao imprevisto, ao inesperado, às emergências, às superações das dicotomias e polaridades existentes. Exige estratégias flexíveis e multidimensionais para compreensão dos movimentos empreendidos, para o estabelecimento de estratégias inovadoras e criativas, capazes de descrever e abarcar o comportamento de unidades complexas. O importante é não esquecer que qualquer objeto jamais será aprisionado por uma única explicação da realidade e o mundo jamais poderá se enclausurado em um discurso ou nível de realidade.
Dimensão ontológica
A ontologia decorrente dos novos fundamentos teóricos da física quântica, da nova biologia, da cibernética, da teoria das estruturas dissipativas traz consigo um novo potencial de vida, de esperança, de possibilidades de reconciliação com a natureza, com o mundo e com a vida, além de um potencial transformador do ser humano. Traz também consigo novas bases para renovação filosófica e educacional ao priorizar as relações e os acontecimentos, ao privilegiar as interconexões em detrimento do objeto, da substância e das essências, ao priorizar interações, emergências e processos auto-organizadores, ao reconhecer a importância das interferências, dos processos em sinergia, do dinamismo energético intrínseco regendo o conjunto dos fenômenos interagentes de natureza física, biológica, social, cultural e espiritual.
Em vez de uma ontologia baseada na separação do ser e sua realidade, do orgânico e inorgânico, do corpo e mente, do material e espiritual, do sujeito e objeto, do educador e educando, fundada numa visão organizacional fechada, na causalidade linear, no determinismo sujeito/objeto, na fragmentação do conhecimento, decorrente de uma metodologia científica que já não faz mais sentido, que castra a imaginação, a criatividade e nega a intuição e os processos emergentes e criativos, temos agora uma nova base nos fundamentos da ciência em que podemos nos apoiar para o desenvolvimento de nossas construções teóricas e práticas pedagógicas.
Uma nova base que nos permite compreender a natureza multidimensional da realidade, a entender que dentro de um mundo macrofísico existe um mundo microfísico invisível aos olhos, mas sempre presente, dois mundos que se interpenetram regidos por leis diferentes, cada um com uma lógica específica, diferente da do outro. Cada nível de realidade da matéria corresponde a um nível de percepção por parte do observador, o que nos leva a reconhecer a existência de múltiplas realidades e depende de cada observador qual dela será revelada. E mais, esta realidade multidimensional se apresenta de acordo com as condições do ambiente, do contexto, das circunstâncias e situações criadas, tendo a indeterminação entranhada no tecido do universo. Uma realidade que é complexa em sua engenharia, incerta em seus mecanismos operacionais, como algo que não se repete, mas que se reconstrói em função das mudanças estruturais internas decorrentes de processos auto-eco-organizadores.
Tais bases teóricas nos ensinam que, em vez de uma lógica binária excludente, que não considera a existência de outras possibilidades e alternativas, temos agora que trabalhar a partir de uma lógica ternária, de uma lógica tripartida, de uma terceira possibilidade além das existentes, desde que adentremos a um outro nível de realidade, de percepção e compreensão. Se permanecermos com o nosso pensamento atado a único nível de realidade como, por exemplo, a realidade macrofísica, onde o que é unido (quantum) está aparentemente desunido (onda e partícula), onde o que não é fragmentado está dividido e tolhido em suas potencialidades (ser humano), onde o criativo não tem voz e nem vez, jamais perceberemos que o que é aparentemente contraditório possui, em verdade, uma natureza complementar. Natureza esta que nos permite compreender que o equilíbrio é algo aparente que, para existir, precisa estar em movimento, que a autonomia é dependente do contexto em que cada um se encontra e que toda estabilidade é apenas aparente, já que a realidade quântica é continua e descontínua, simples e complexa, onda e partícula e tudo isto ao mesmo tempo.
Com esta lógica ternária, deixamos de lado o paradigma da disjunção, da separação, da fragmentação, da polarização e ficamos libertos de um enfoque intelectual simplista e dualista, de uma abordagem intelectual que aprisiona o emocional e o intuitivo, que desconhece o fato de que o estado de desenvolvimento cientifico e tecnológico atual somente foi possível graças aos diálogos dos processos intuitivos e criativos com os lógicos e matemáticos que povoaram a mente de nossos mais brilhantes cientistas.
Com esta lógica ternária, nutrida pela complexidade presente na tessitura da vida, percebemos mais facilmente que a natureza é dotada de uma engenharia complexa, de circularidade retroativa ou recursiva, de dialogicidade processual e de processos auto-organizadores e emergentes, cuja dinâmica operacional afeta as circunstâncias criadas e as possibilidades de leitura do objeto. Nada disto, atualmente, se sustenta, pois estamos inseridos num campo informacional e vibracional que dá sentido à nossa existência e que renova o lado potencial e dual com que a natureza e a vida se manifestam.
Um campo vibracional constituído de energia, matéria e informação que circulam, onde tudo vibra e está em profunda comunhão. Um campo que emite e absorve energia eletromagnética, formado por átomos, moléculas, partículas subatômicas e elementares que ressoam e vibram, a partir de propriedades e dimensões interconectadas, estruturas de um universo no qual cada parte não está fundida e nem confundida no todo, jamais está isolada, mas cheia de potencial de vida, de fluxos de energia, matéria e informação.
Como partes do universo, somos também constituídos por fluxos de energia, matéria e informação, constituídos por ondas de energia de determinadas freqüências vibracionais emitidas pelo nosso corpo físico, biológico, mental, emocional e espiritual. Como tudo no universo, somos também partículas de luz que se manifestam de uma ou de outra maneira, dependendo das condições de nossos corpos psicofísicos, já que toda e qualquer entidade tem seu conteúdo energético e vibracional, sempre comunicando e relacionando, de uma maneira ou de outra, com o mundo ao seu redor.
Dimensão epistemológica
Em sua dimensão epistemológica, esses novos fundamentos científicos e filosóficos nos ajudam a entender melhor como a realidade se apresenta a partir do que somos capazes de ver, de ouvir, de interpretar, de construir, desconstruir e reconstruir conhecimento, revelando, assim, a inexistência de um único e mesmo nível de realidade independente daquilo que observamos e a presença de múltiplas realidades, dependendo das diversas interações ocorrentes entre sujeito e objeto. Assim, toda objetividade é uma objetividade entre parênteses, como quer Maturana. É uma objetividade impregnada pelo olhar e pelas emoções dos sujeitos envolvidos, pela trama tecida no aqui e no agora. Nada é puro em seu estado original. A mestiçagem permeia as diferentes dimensões da vida.
Isto porque sabemos da existência de uma trama entrelaçando o corpo físico, o psíquico, o emocional, o social e o espiritual; enlaçando o psíquico e o imprevisível, o sujeito e sua realidade, uma realidade que emerge de processos interativos e interdependentes, de processos ecossistêmicos de natureza complexa, reveladores do compromisso do sujeito com seu mundo, com sua realidade, reveladores do processo de interdependência entre individuo e contexto, entre o emocional, o racional e o espiritual.
Desta forma, os fundamentos teóricos professados nos explicam que não existe um único e mesmo nível de realidade ou de materialidade física, como propagado pela ciência tradicional, mas, sim, múltiplas realidades, diferentes níveis de realidade regidos por distintos níveis de materialidade.
Epistemologicamente, isto indica que a relação sujeito/objeto é algo sempre aberto, através do qual, ambos, se interpenetram, fazendo com que toda ação do sujeito somente tenha sentido se for devidamente contextualizada, integrada em um metassistema mais amplo e abrangente, em um ecossistema natural, social, físico, biológico e cultural e que, ao mesmo tempo, o engloba e o restringe. Sem um contexto, nada faz sentido. Sem um sistema de referências, tudo fica difícil de ser compreendido e explicado.
Ora se a lógica do objeto é sempre, epistemologicamente, aberta, para Edgar Morin, isto significa que um abre uma fenda no outro, um abre uma brecha no outro, interfere nas entranhas do outro. Fica energeticamente impregnado pela vibração do outro, o que certamente exige maior abertura para compreensão do mundo do outro, para superação das dicotomias e polaridades paralisantes e beligerantes das dualidades sujeito/objeto, unidade/ diversidade, mental/ espiritual, quantidade/qualidade, presencial/ virtual e para o incremento do necessário diálogo entre as partes, o que, por sua vez, poderá ser sempre mais rico e estimulante. O importante é se ter a consciência de que todos processos nos afetam de uma maneira ou de outra, já que fazemos parte deles também.
Assim, já não é preciso privilegiar apenas a ordem no universo e ignorar a desordem em seu diálogo constitutivo de toda e qualquer organização. Já não é necessário privilegiar a certeza ao invés da incerteza, o ensino em detrimento da aprendizagem, o presencial ao invés do virtual, pois um interage com o outro, um é o reflexo do outro. Desta forma, já não podemos continuar separando a realidade física da biológica, a biológica da cultural e social ou escapar de nossas incertezas, cultivando apenas nossas certezas, pois uma não existe sem a outra e a vida não se manifesta fragmentada ou parcialmente. Sujeito e mundo emergem juntos a partir de processos auto-eco-organizadores implicados e emergentes.
O importante é aprender a estabelecer o diálogo entre as partes e o todo, o diálogo entre todas essas dimensões da vida, a aprender a reconhecer o jogo das inter-retroações, para que possamos compreender melhor nossa realidade educacional e encontrar soluções mais adequadas e compatíveis com a natureza complexa dos problemas. Daí a importância de se ter maior abertura e coerência epistemológica para que não nos distanciemos de nós mesmos, de nossos processos internos, de nossos desejos mais íntimos, condição também fundamental para nossa evolução como educadores, mas, principalmente, para o reconhecimento e evolução de nossa própria humanidade.
Dimensão metodológica
Desta forma, não podemos continuar trabalhando com modelos equivocados, com explicações causais lineares, com dualidades irreconciliáveis, com paradigmas equivocados, construindo abstrações estereotipadas da realidade e que, em absoluto, refletem sua complexidade estrutural e dinâmica. Precisamos de novas teorias, de novos aportes teóricos e epistemológicos capazes de nos ajudar a ecologizar a ontologia, ou seja, as relações do ser com sua realidade, a ecologizar a epistemologia, para melhor compreender as relações sujeito e objeto, bem como os aspectos metodológicos relacionados às nossas práticas pedagógicas.
Ecologizar também o pensamento, no sentido de religar as diferentes dimensões da vida, os diversos saberes, aprender a trabalhar com as interrelações, com a dinâmica das partes com o todo, com as emergências ocorrentes, com os processos em sinergia, trabalhar com conhecimentos plurais, com os conhecimentos científicos e humanísticos, no sentido de superar fronteiras e romper barreiras disciplinares. Já não podemos continuar encapsulando o conhecimento científico e oferecendo-o em doses homeopáticas a poucos acadêmicos privilegiados.
Todos esses aspectos são muito importantes para a criação de conhecimentos novos, para a elaboração dos conhecimentos interdisciplinar e transdisciplinar e para a construção de propostas educacionais mais coerentes com as demandas atuais, capazes de superar o dualismo cultural, biológico, social e espiritual que tantos problemas têm provocado.
No que se refere aos aspectos metodológicos, esta postura diante do conhecimento ou esta busca do conhecimento transdisciplinar, pressupõe abordagens unificadoras e abrangentes para que o ato de criação possa se manifestar plenamente e o uso de abordagens assentadas em conceitos disciplinares transversais e no compartilhamento de problemas, objetos, temas, projetos etc..
Transdisciplinaridade e educação
A temática transdisciplinaridade e educação é realmente muito ampla, podendo ser trabalhada a partir de vários aspectos. Entretanto, em função dos limites impostos para a elaboração deste texto, restringiremos nossa participação no sentido de elucidar apenas alguns aspectos selecionados, principalmente, no que se refere ao conceito de transdisciplinaridade, seus eixos constitutivos e algumas conseqüências educacionais.
Sob o nosso ponto de vista, a transdisciplinaridade não é uma ciência, não é uma religião e nem uma filosofia, embora para se ter um pensamento transdisciplinar é necessário uma profunda capacidade de reflexão e de auto-reflexão, a abertura ao desconhecido e ao inesperado e o necessário rigor cientifico, como veremos mais adiante. A transdisciplinaridade implica uma atitude do espírito humano ao vivenciar um processo que envolve uma lógica diferente, uma maneira complexa de pensar a realidade, uma percepção mais apurada dos fenômenos. Implica uma atitude de abertura para com a vida e todos os seus processos. Uma atitude que envolve curiosidade, reciprocidade, intuição de possíveis relações existentes entre fenômenos, eventos, coisas, processos e que normalmente escapam à observação comum.
É também um principio epistemológico constitutivo dos processos de construção do conhecimento e que nos ajuda a superar as barreiras disciplinares na tentativa de compreender o que está mais além dos limites estabelecidos ou das fronteiras conhecidas. Um princípio que requer que nosso pensamento vá além dos aspectos cognitivos, baseados no desenvolvimento de competências e habilidades, para que o processo educacional possa verdadeiramente ecoar na subjetividade de cada sujeito aprendente. É isto que nos ensina Nicolescu (2002, p. 105) ao dizer que:
“A educação atual privilegia a inteligência do homem, em detrimento de sua
sensibilidade e de seu corpo, o que certamente foi necessário
em determinada época, para permitir a explosão do saber.
Todavia, esta preferência, se continuar, vai nos arrastar para a lógica
louca da eficácia, que só pode desembocar em nossa autodestruição”.
Um princípio epistemológico que, para sua ocorrência, necessita de uma atitude de abertura por parte do sujeito implicado, mas cujo produto transcende as disciplinas, rompe com as grades disciplinares e se apresenta a partir de um outro nível de realidade, em um outro patamar do processo de construção do conhecimento. Para produzir este conhecimento transdisciplinar usamos a lógica ternária, ou seja, a lógica do terceiro incluído, que nos ajuda a transcender o nível de realidade primordial para que o conhecimento possa emergir em um outro nível mais abrangente, superador das contradições e ambivalências e incentivador dos diferentes diálogos. Para tanto, utilizamos os operadores cognitivos da complexidade (Morin, 1995) que nos ajudam a pensar de maneira complexa, a reorganizar o saber, a partir de uma dinâmica diferenciada, mais ampla e abrangente. Que operadores seriam estes? Dentre outros existentes, os principais operadores seriam os princípios dialógico, hologramático, recursivo, auto-organizador.
O conhecimento transdisciplinar, produto de uma tessitura complexa, dialógica, recursiva e auto-eco-organizadora, é tecido nos interstícios, nas tramas, na intersubjetividade, nos meandros da pluralidade de percepções e significados emergentes, a partir de uma dinâmica complexa presente nos fenômenos, eventos e processos constitutivos daquilo que acontece em outros níveis de realidade. É, portanto, produto do que acontece entre níveis de realidade e os níveis de percepção dos sujeitos e depende de sua capacidade de reflexão, de percepção e da consciência. O conhecimento transdisciplinar emergente estabelece a correspondência entre o mundo exterior do objeto e o mundo interior do sujeito, mediante um processo dialógico e recursivo que acontece entre ambos, e traz consigo a dimensão ternária do conhecimento. Esta, por sua vez, estabelece um novo sistema de valores diferente do utilizado pela lógica binária, na qual predomina o dualismo, a fragmentação do ser humano, o sujeito separado do objeto, separado de si mesmo, do outro e da natureza. Aqui, resgata-se aquele sujeito que tem liberdade de olhar, de refletir, de ir além do conhecido, de ir além do que é disciplinar ou pluri e interdisciplinar, sem que isto possa constituir ameaça a quem quer que seja.
É um pensamento que percebe o sujeito em sua multidimensionalidade, não provocando sua hipertrofia cerebral, mas reconhecendo o que acontece em sua corporeidade, em seu emocional, como algo também fundamental nos processos de construção do conhecimento. Resgata-se, portanto, a integração corpo/mente, pensamento/sentimento, conhecimento/autoconhecimento e a importância da flexibilidade corporal, mental e espiritual nos processos de construção do conhecimento, bem como as atividades mais sutis relacionadas à intuição, à ética e à estética. É um conhecimento que colabora para religar o que antes estava separado, que percebe que dentro de cada um de nós existe um microcosmo dialogando com o macrocosmo, revelando-nos, assim, que a realidade é maior ou menor que a soma das partes envolvidas.
Assim, todo conhecimento de natureza transdisciplinar, seja no campo profissional ou pessoal, procura explorar aquilo que circula entre os diferentes níveis de realidade, ou seja, entre o macrofísico, o microfísico e a realidade virtual, aquilo que se encontra na ordem implicada, dobrada, escondido dentro de cada um de nós. Ou seja, dependendo dos níveis de percepção do sujeito, o pensamento transdisciplinar ajuda a perceber aquilo que é subliminar, que habita a região em que nossos sentidos, muitas vezes, não são capazes de penetrar, de analisar, de decodificar em um primeiro momento e que requer, além da racionalidade, a ajuda de outras dimensões humanas, como a intuição, a imaginação, a sensibilidade, a estética, para sua melhor compreensão.
Por outro lado, a transdisciplinaridade não é uma nova crença, tampouco é uma nova teoria pedagógica que vem substituir tudo o que temos realizado em educação até agora. Como principio epistemológico que exige uma atitude de abertura diante da realidade e do conhecimento, a transdisciplinaridade requer clareza e rigor epistemológico para que possamos esgotar todas as possibilidades relacionadas ao objeto ou as disciplinas trabalhadas e reconstruir conhecimento em outro patamar.
Clareza epistemológica para que possamos incentivar diálogos mais competentes entre sujeito e objeto, entre ciência, cultura e sociedade, entre indivíduo e contexto, educador e educando, ser humano e natureza e para a construção de uma base conceitual mais sólida para o desenvolvimento de conversações e de novos estilos de negociação de significados, a partir da maneira como observamos a realidade e construímos o mundo ao nosso redor. Daí toda nossa preocupação anterior em relação à necessária abertura de nossas gaiolas epistemológicas, para que possamos transcender a lógica binária, superar os dualismos e perceber a complementaridade dos processos envolvidos.
A epistemologia da complexidade, como elemento constitutivo da matriz geradora da transdisciplinaridade, nos informa que ela é produto de uma dinâmica que envolve a articulação do que acontece nos níveis de realidade e nos níveis de percepção dos sujeitos, produto de uma lógica ternária que trabalha a passagem do conhecimento de um nível de realidade a outro, bem como da complexidade estrutural que nos revela que toda identidade de um sistema complexo é sempre um processo de vir-a-ser (Nicolescu, 1999). É algo inacabado, aberto, em processo de mutação e transformação.
Assim, todo conhecimento transdisciplinar pressupõe um processo sempre aberto, vai além do horizonte conhecido, implicando criação permanente, aceitação do diferente e renovação das formas aparentemente acabadas do conhecimento. Pela transdisciplinaridade, transcendemos, criamos algo novo e diferente do conhecimento original, algo que pode surgir a partir de um insight, de um instante de luz na consciência, de um processo sinérgico qualquer envolvendo as diferentes dimensões humanas. Portanto, é a subjetividade objetiva do sujeito aprendente que expressa o conhecimento de uma nova maneira, demonstrando que o conhecer envolve todas essas dimensões humanas, dimensões estas não hierarquizadas e nem dicotomizadas, mas articuladas, funcionalmente complementares em sua dinâmica operacional e que atuam a partir de uma cooperação global que acontece em todo o organismo.
Ao transcender a lógica binária do A e do Não A, ao resgatar as polaridades contrárias, a transdisciplinaridade ajuda-nos a promover a alteridade, a resgatar o respeito ao pensamento do outro que é diferente do meu, a compreender o que acontece em outros níveis de realidade e de percepção, a reconhecer a importância dos conhecimentos antigos e a explorar outras maneiras de conhecer e aprender.
Assim, a educação, fundada na transdisciplinaridade e apoiada na multidimensionalidade humana, vai além do racionalismo clássico e reconhece a importância das emoções, dos sentimentos, a voz da intuição dialogando com a razão e com a emoção subjacente, recuperando a polissemia dos símbolos, as diferentes linguagens e possibilidades de expressão do ser humano. Enfim, reconhece a subjetividade humana não como uma realidade coisificante, mas como um processo vivo do indivíduo/sujeito concreto.
Implicações da transdisciplinaridade na educação
Inúmeras são as implicações da transdisciplinaridade, nutrida pela complexidade, nos ambientes educacionais, nas práticas pedagógicas, na pesquisa, no currículo e nas sistemáticas de avaliação. Enfim, na educação, em geral. Ela nos leva a ter que repensar nossas práticas pedagógicas, o currículo, o trabalho docente, enfim, grande parte daquilo que acontece nos ambientes de aprendizagem. E neste repensar de novas práticas pedagógicas, trabalha-se, simultaneamente, com os operadores cognitivos da complexidade, com a lógica ternária e com o que acontece nos diferentes níveis de realidade e de percepção dos sujeitos aprendentes.
De cara, por exemplo, podemos afirmar que a transdisciplinaridade não combina com pensamento único e com práticas instrucionistas, já que valoriza o pensamento complexo e relacional, o pensamento articulado, auto-eco-organizador e emergente. Valoriza os processos críticos, criativos, dialógicos e recursivos, reconhecendo a autonomia relativa do sujeito aprendente e a responsabilidade individual e coletiva. Trabalha com o conceito de aprendizagem integrada, lembrando que os fenômenos cognitivos são inseparáveis dos fenômenos biofísicos. Daí a importância das estratégias pedagógicas transdisciplinares para a criação de novos cenários de aprendizagem ou de “momentos transdisciplinares”, como quer Juan M. Batalloso (2009).
Estratégias que favoreçam a pluralidade de espaços, de tempos, de linguagens, de recursos e novas formas de expressão, que valorizam a complementaridade dos processos, o desenvolvimento de análises acompanhadas de sínteses integradoras, a presença de uma racionalidade aberta que capta a complementaridade dos processos, as interconexões, em vez de apenas continuar trabalhando com instantâneos estáticos, com divergências conflitantes, com antagonismos paralisantes. Tais processos também existem, mas é preciso ampliar nossa compreensão e procurar combinar diferentes pontos de vista e opções aparentemente excludentes, opostas e contrárias, a partir do que acontece em outro nível de realidade e de percepção mais ampliado. O diálogo é sempre necessário e fundamental, pois ninguém é dono da verdade e toda e qualquer posição intransigente e prepotente não reflete a mestiçagem dos fenômenos e processos, nem a complexidade da realidade mutante e plural.
Assim, ao trabalhar com a lógica ternária, o conhecimento transdisciplinar emerge a partir de uma racionalidade aberta, dialógica, intuitiva e global, capaz de superar reducionismos culturais, maniqueísmos, fanatismos, dogmatismos, fundamentalismos e todos os demais “ismos” que emergem da unilateralidade das visões humanas.
Parte do pressuposto de que todo ato educacional deve ser pensado e desenvolvido, sempre que possível, a partir de diferentes dimensões humanas, de diversos olhares, o que nos leva a sugerir a participação de sujeitos de diferentes áreas do conhecimento para que possam dialogar em busca de soluções a determinados problemas, já que a realidade, como um sistema vivo e mutante, como totalidade emergente, sempre nos escapa em algo. Daí a necessidade do apoio de outros especialistas, de outros olhares mais penetrantes do que o nosso, para uma melhor compreensão da realidade educacional. Isto porque os fenômenos educacionais precisam ser compreendidos na sua multidimensionalidade, observando a multicausalidade e a multirreferencialidade ocorrentes, procurando compreender as relações, as conexões e os vínculos mais importantes. Uma multirreferencialidade que leve em conta a pluralidade de olhares e de referencias, as múltiplas leituras e visões diferentes, sabendo que a multirreferencialidade também é uma abordagem provisória na tentativa de se dar conta dos conhecimentos plurais e da complexidade dos fenômenos ocorrentes.
Isto pressupõe também a necessidade de se trabalhar a multidimensionalidade humana a partir de estratégias de aprendizagem que envolvam não apenas os aspectos racionais, técnicos e simbólicos, mas também os aspectos intuitivo, mítico, mágico, afetivo, as múltiplas linguagens que dão sentido e significado a existência humana.
A transdisciplinaridade, por outro lado, também nos informa que não podemos continuar privilegiando práticas avaliativas burocráticas, reducionistas e fragmentadoras da realidade. É importante criar condições que possibilitem diferentes leituras da realidade, contextualizando sempre o objeto da avaliação e utilizando diferentes instrumentos possibilitadores de uma avaliação que privilegie as diferentes dimensões humanas. Ela também nos avisa sobre a importância de se trabalhar a avaliação em sua dimensão ternária, ou seja, a auto-avaliação, a hetero- avaliação e a eco-avaliação, bem como as dimensões formadoras, formativa e somativa, explorando devidamente as peculiaridades de cada uma. Por exemplo, a dimensão auto-formadora da avaliação favorece os aspectos metacognitivos, as atividades auto-reflexivas do sujeito aprendente, o que é fundamental para a construção de sua autonomia relativa a partir do que acontece nos processos auto-eco-organizadores. Uma avaliação que privilegie a diversidade de pontos de vista, de percepções da realidade, o que requer uma pluralidade de linguagens, instrumentos, olhares, análises e sínteses enriquecedoras.
Em relação ao currículo, podemos observar que a transdisciplinaridade, nutrida pelos operadores cognitivos da complexidade, nos sugere que o currículo é um espaço vivo de construção do conhecimento que resulta do pensamento, das experiências dos sujeitos e de suas interações de natureza biológica e sócio-cultural, interações que ocorrem dentro e fora do espaço escolar. É um processo e, ao mesmo tempo, um produto que se auto-eco-organiza a partir de uma prática curricular de natureza complexa e transdisciplinar. Aqui, recomenda-se a construção de um currículo como expressão da vida, como expressão do encontro de processos vitais e cognitivos, já que vida e aprendizagem não se separam. E a vida se produz a partir de uma organização autopoiética (Maturana e Varela, 1995), ou seja, que se autoproduz, onde as relações e as interações se auto-eco-organizam sempre que necessário.
Portanto, é um currículo em ação, em movimento, aberto à vida. Um currículo como expressão da vida, aberto ao que acontece no mundo, no ambiente, no entorno sócio-cultural, voltado para a solução crítica e criativa dos problemas; um currículo que vai se auto-eco-produzindo no próprio processo educativo, que vai se transformando a partir das relações e das interações ocorrentes. Um currículo derivado dos contextos e dos sujeitos aprendentes, que não ignora o papel dos conflitos, das contradições, das emergências, das ambigüidades e das ambivalências, reconhecendo-as como algo importante, mas, sempre que possível, tentando também superá-las, mediante processos auto-eco-organizadores garantidores da dinâmica da vida.
Um currículo que transcende as fronteiras e rompe as barreiras programáticas e tudo o mais que confina o pensamento, o sentimento e a ação do sujeito aprendente; um currículo que se materializa mediante a criação de um espaço de produção do conhecimento que se caracteriza não pela produção linear, determinista, ordenada, mas por uma produção que apresenta uma dinâmica não-linear, uma fluir em rede, que está sujeita às bifurcações, ao imprevisto, ao inesperado, às emergências... Assim, valoriza-se o conhecimento como produto de um processo de um sujeito pensante articulado, multidimensional, que integra corpo e mente, cognição e vida, razão e emoção, onde tudo está imbricado em profunda comunhão.
Concluindo, mesmo que provisoriamente
Finalizando, cumpre destacar, neste momento, que a transdisciplinaridade nos ajuda a perceber que já não podemos continuar trabalhando com propostas didáticas apoiadas em um pensamento determinista e reducionista, em um planejamento positivista e em uma metodologia que fragmenta a realidade, o conhecimento e a vida. Não podemos continuar supervalorizando o método didático como um modelo abstrato e formal que pretensamente deseja colocar ordem em todas as unidades do saber. Não podemos continuar privilegiando este ou aquele estruturante do método didático, ou seja, ora privilegiando o objeto, ora o sujeito ou o contexto social em as coisas acontecem.
Precisamos estar mais atentos a tudo isto e tentar superar toda e qualquer relação dicotômica e todo e qualquer formalismo didático a partir de práticas pedagógicas e didáticas mais de acordo com os fundamentos da ciência atual. E mais, já não é possível aceitar a escola reprodutora do conhecimento linear, pré-determinado e um discurso pedagógico medíocre e autoritário. A reprodução do conhecimento e as práticas instrucionistas, como dito anteriormente, não combinam com os pensamentos complexo e transdisciplinar que requerem um novo diálogo, novas aberturas, um pensamento mais reflexivo e construtivo, auto-eco-regulador e emergente, o que nos revela a impossibilidade estrutural do aprendiz se submeter às ações do ambiente e reproduzir seu destino histórico.
A transdisciplinaridade, nutrida pela complexidade, exige de cada docente a criação de ambientes e contextos de aprendizagem mais dinâmicos e flexíveis, mais cooperativos e solidários, a criação de ecossistemas educacionais nos quais prevaleça a solidariedade, a parceria, a ética, a generosidade, o companheirismo, o diálogo na busca constante de soluções aos conflitos emergentes, bem como o respeito às diferenças e o reconhecimento da diversidade cultural, da existência de diferentes estilos de aprendizagem que tanto enriquecem as experiências individuais e coletivas, experiências que tanto embelezam nossas vidas.
Ela implica o desenvolvimento de práticas educativas que ampliem a capacidade de reflexão de nossos alunos, que desenvolvam o autoconhecimento, a capacidade de interiorização e harmonização, bem como facilitem processos de construção de conhecimento voltados para o desenvolvimento humano.
Neste sentido, concordamos com Agustín de la Herran e colaboradores (2005) ao dizerem que a consciência mais complexa e transdisciplinar, a priori, é menos fragmentada e parcial. Provavelmente, mas não seguramente, decidirá melhor, pois estará em melhores condições para tomar decisões mais bem fundamentadas e desenvolver ações mais compatíveis, a partir de estados de consciência superiores.
“Si no entendemos nuestra propia estructura íntima,
nuestra psiquis, nuestro sentir y nuestro pensar,
¿cómo habremos de entender otras cosas?”
Jiddu Krishnamurti
Bibliografía
BATALLOSO, Juan M. Docencia transdisciplinar. Algunas contribuciones. Notas de trabalho. 2009.
HERRÁN, Agustín de la; HASHIMOTO, Ernesto & MACHADO, Evélio. Investigar en educación: fundamentos, aplicación y nuevas perspectivas. Madrid: Editorial Diles, 2005.
MATURANA, Humberto & VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento. Campinas/SP: Psy, 1995.
MORAES, Maria Cândida. Ecologia dos Saberes: Complexidade, transdisciplinaridade e educação. São Paulo: Antakarana/PróLibera, 2008.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: (org.) SCHNITMAN, Dora F. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade.São Paulo: Triom, 1999.
NICOLESCU, Basarab & cols. Educação e Transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2002.